Conheço, até agora, dois
significados para expressão “fora do ar”. Um deles é fora de sintonia, relativo
ao sinal da televisão. A outra é para
designar pessoa “aérea”, dispersa, com déficit de atenção ou maluca. A versão "fora do ar" pra maluco é, muitas vezes, relacionada ao cigarrinho do capeta.
Muitos me acusaram de estar fumada ontem, que meu texto estava bem "fora do ar". Gente, eu não uso drogas, eu sou no máximo o reflexo do mundo de vocês. Fiquei ofendida, então hoje o espaço é do Sandro Dornelles:
O rabo do Rato
Eu
morava na casa de cima, uma edícula. Na casa de baixo morava meu amigo que
estava viajando. Eu estava, como sempre, transitando de uma casa para outra. A
geladeira e o computador estavam na casa de baixo, e eu não tinha geladeira e
meu computador estava quebrado. Daí o ir e vir durante o dia inteiro. Pra fazer
este trajeto eu passava pela área de serviço dele e foi ali que eu o vi pela
primeira vez. Melhor, que eu o ouvi pela primeira vez, meus olhos só foram
achar que o viram dias depois. Numa dessas idas e vindas eu ouvi um barulho
vindo das sacolas plásticas cheias de bugigangas que habitavam a área de
serviço. Parei. Era o barulho de algo que parecia estar se escondendo no meio
das sacolas plásticas no momento em que eu passava, como se quisesse ser
esconder de mim. Gelei. Só podia ser um rato, pelo volume do barulho não podia
ser uma barata e muito menos um dos gatos de rua que volta e meia assaltavam
nosso lixo. Um gato não podia se esconder no meio das sacolas plásticas. E se
não era um gato, mais chance ainda de um rato estar dominando a área. Pensei
isso em questão de milionésimos de segundo. Entre o “parei” e o “gelei”. Segui
pro meu destino e até tentei um pensamento positivo “que rato o quê! É o
vento...”. Na volta, de novo, o mesmo som. “Será que é mesmo um rato?”. Iria
precisar de várias idas e vindas naquele dia para acabar tendo quase certeza de
que era um rato. Confesso que tenho ojeriza a ratos (e esse parecia ser um rato
do mal) e meu amigo não estava ali pra vasculhar as sacolas e matar o possível
roedor.
No
outro dia eu só passava correndo de uma casa para outra e já não tinha mais
coragem de olhar para as sacolas plásticas da área de serviço dele. Eu não
queria nem pensar na possibilidade de ver o rato, embora fosse impossível não
ouvir o barulho. Havia também, misturado ao som produzido por algo que
movimentava entre as sacolas – que pra mim só podia ser um rato – uma espécie
de farfalhar meio assustador. Seria do rato? Seria um rato? Algo em mim tentava
não acreditar nisso, mas meu pavor dizia não ter dúvida de que era um. E dos
grandes. O desgraçado estava querendo fazer uma guerra de nervos comigo, uma
tortura ao melhor estilo dos Murídeos e estava conseguindo. Quando chegou a
noite eu fiquei de tocaia, olhando da casa de cima, a minha, para a área de serviço dele, para tentar ver na
escuridão os olhos brilhantes de algum gato de rua assaltante de lixeiras, mas
eles não apareceram e, com meu amigo viajando, era ele, o rato, e eu. Isso se
já não era mais de um rato. À noite não dormi direito pensando na proliferação
dos ratos e das pestes que eles carregam com eles infestando a área de serviço,
a casa de baixo e a casa de cima. Não desci naquela noite pra casa de baixo nem
pra pegar coisas na geladeira, fiquei entocado.
No
outro dia de manhã acordei decidido a tentar um armistício com o que eu pensava
ser um rato. Antes de passar correndo da minha casa pra casa de baixo eu me
anunciava, como que pedindo permissão pra passar pela área de serviço dele:
“RATO!” eu gritava e, logo em seguida fazia meu trajeto. É, a primeira batalha
ele já tinha vencido, a área de serviço já tinha sido tomada. Nesse dia foram
idas e vindas numa correria só e um tal de “RATO! RATO! RATO! RATO!...” Se alguém me visse certamente iria dizer que
eu estava louco, mas foi a maneira que achei de conviver com ele e com o meu
medo.
E assim
foram passando os dias que se resumiam a corridas de ida e vinda, gritos de
“RATO!” emitidos por mim e grunhidos, farfalhares, chiados e sons horripilantes
de todas as espécies. De todas as espécies de rato, acreditava eu. Sem falar que o barulho das sacolas plásticas
tinha aumentado de volume, como se o ser também tivesse aumentado de tamanho. A
convivência com esta criatura estava se tornando insuportável. Pelo menos pra
mim, porque se esse rato estava mesmo ali, ele parecia estar pouco se
importando comigo, embora não deixasse de fazer seu joguinho sujo, sem, no
entanto, nunca dar as caras.
Decidi
ir pra casa de outro amigo, até meu amigo habitante da casa de baixo voltar da
viagem. E quando passei correndo pela última vez pela área de serviço dele com
minha mala a tira colo, não sem antes proferir um sonoro “RAAATO!”, eu tive uma
coragem espartana e olhei de soslaio para as sacolas plásticas cheias de
bugigangas. Tudo bem que eu passei correndo, mas posso dizer, quase com
convicção, que vi um rabo sumindo rapidamente no meio das sacolas. Fiquei com
um resquício de dúvida, porque passei correndo e olhei de rabo de olho, mas eu
vi algo que começava fininho e ia se alongando e engrossando entrar no meio das
sacolas plásticas. E, se era um rabo, só podia ser o rabo do rato.
Bicho
do Dia: Vaca (9399)