Novas Histórias

Novas Histórias
Foto de Ju Vinagre

quarta-feira, 30 de abril de 2014

120º Dia: Da Lama Ao Caos

                  Eu vejo as coisas mais ou menos assim: “Como ler o tudo da internet? / Como ler o tudo da estante? É como mastigar o meu chiclete / E querer que vire diamante.”. Sem mais, porque hoje a lama tá um caos e o caos tá uma lama. Taí um lugar onde adoro me banhar.

Música do Dia: Espírito dos Afogados (Eudes Fraga & Claudio Nucci) (De: E. Fraga/Joãozinho Gomes). https://www.youtube.com/watch?v=G6VpA6BAdX0

Bicho do Dia: Sereia (...)

terça-feira, 29 de abril de 2014

119º Dia: Vida Seca

                 Uma ironia uma cachorra com nome de “Baleia” num lugar tão seco. Mas essa história vocês já conhecem. Se não conhecem acho que vão gostar de conhecer. A história do dia é outra. A vida é seca nos desertos, nos climas áridos, nos sertões. Porém, existia um lugar que era conhecido por não conhecer água mesmo. Este lugar era regido por uma outra lei de gravidade. As nuvens choviam sobres as nuvens abaixo delas. E assim sucessivamente. Só que a última nuvem antes do chão chovia pra cima e abastecia a nuvem lá do alto. E o lugar era muito seco. Não existia poço, poça, lago, açude, rio, nem vida alguma. Um dia, do nada, apareceu um senhor, inventor de renome, que tinha sido banido pra lá. Dizem que o motivo do banimento tinha sido sua insistente vontade de inventar água. “Como assim inventar água?” esbravejavam os donos do lugarejo onde vivia. “Se todos inventarem sua própria água, quem vai pagar pela nossa?” Por isso seu castigo foi ir pra um lugar onde não existia água nem vida. Quando o deixaram lá ainda falaram “agora eu quero ver você inventar água” e riam do pobre senhor sonhador inventor. O velhinho ficou dias observando o céu, tentando entender o mecanismo de funcionamento de chuva das nuvens. Aquilo o emocionou tanto, que momentos antes de morrer de sede, uma lágrima caiu dos seus olhos. No local onde caiu a lágrima nasceu uma fonte de água salgada que foi inundando tudo. Inundou o lugar sem água, inundou a terra de onde tinha sido banido. E inundou tudo que era terra entre os continentes da África-Europa e Américas e deu origem ao que hoje conhecemos como Oceano Atlântico. Mas o que ninguém sabia, só eu a DOR, é que o velhinho antes de morrer teve a ideia de virar o mundo de ponta cabeça para que chovesse no chão. Só que dessa vez quem não gostou foi Deus, que disse: “Como assim, a chuva é uma invenção minha!” e deu ao velhote o Oceano como consolo, mas nunca mencionou a lágrima e ficou com todo o crédito.

Música do Dia: Da Lama ao Caos (Chico Science e Nação Zumbi). (Uma homenagem ao colaborador do Dia, Sidnei Dornelles).


Bicho do Dia: Caranguejo (Aquele Chié que virou Gabiru).

segunda-feira, 28 de abril de 2014

118° Dia: Inimigo do Batente

                  Engraçado uma coisa que notei no meu estudo blog-antropólogico: como variam as opiniões do que significa trabalhar e ser vagabundo. A maioria acha que só trabalha quem cumpre um horário fixo de segunda a sexta e recebe uma grana certa no final do mês. Entretanto, não precisa ser muito esperto pra ver que o trabalho informal praticamente já virou formal. A “informalidade” movimenta milhões. O apontador de jogo do bicho, o vendedor ambulante de cafezinho e salgado, o camelô, enfim, um tanto de gente dando “seus pulo”, “dando duro no baralho” pra sobreviver. E se existem inimigos do batente, acredito que sejam inimigos do trabalho formal, do sonhado, mas nem tanto, serviço público e de tudo que esse mundo-mercado dos concursos oferece. Mas ainda assim, muitos taxam outros de vagabundos. Não é de hoje que um monte de gente que tem vários diplomas e nenhum emprego. Ou quando tem emprego não é relacionado a nenhum dos seus diplomas. E mesmo assim chamam essa gente de vagabundos. E mesmo assim ainda hoje se ouve a célebre frase que sempre é dita ironicamente por um amigo músico “lixo” do Sandro Dornelles quando lhe apresentam algum músico: “Ah, você é músico? Legal, mas trabalha com o quê?”.

Música do Dia: Vida Seca (Márcia Cherubin)

Bicho do Dia: Cabra (3423)

domingo, 27 de abril de 2014

117º Dia: Mão Católica

                  Dia 20 último, data de comemoração da Páscoa, tive o prazer de sentar pra conversar mais uma vez com minha amiga, a CULPA. Vou repassar pra vocês pensamentos tirados desse bate papo em forma de ata. Peço que tirem da sala as pessoas que encaram a religião - seja ela qual for -, de maneira fanática. As palavras podem ser fortes, mas se tiver um limãozinho, gelo e açúcar, fica uma delícia! Então segurem na mão da CULPA e na minha e vem dar um passeio conosco.
Elucubrações da CULPA:
 “Nada mais justo que voltar aqui neste blog logo após esta data onde comemoro oficialmente meu nascimento. A morte de Cristo é meu nascimento e nada mais cristão que a Culpa. O cabeludo foi pra cruz e disse “morrerei por vocês”. Olha quanta generosidade, daquela de veio mais cretino que possa esperar. Como assim morrer por alguém que não pediu nada, quanto menos um sacrifício dessa monta? Cristo era uma mãe, pois essa é a fórmula em que se baseia toda a equação materna “a mãe fez tudo por ti, e tu não reconhece o sacrifício dela”. Feito: é como torcer um testículo com um alicate. Nada nunca estará a altura daquilo que foi dado sem que fosse solicitado. Tu já ta devendo antes do jogo iniciar. E o que pode ser mais cristão do que esse débito ancestral, para o qual não há o que se faça, pois por mais que o sujeito reze, se ajoelhe, que se auto flagele, se auto mutile ele nunca açoite nunca achará o jeito de quitar qualquer parte de seu saldo. E considerando que quase toda dor que a humanidade carrega é muito mais fruto do sentimento que lhe desperto, decrete-se que a páscoa é também o nascimento da DOR. Somos siamesas. É mais ou menos por aí, foi antes da crucificação...".
Elucubrações minhas:
“De fato, minha cara, somos siamesas. Como siameses são os que tocamos com nossa varinha de condão. Muito nos alimentam o medo da punição divina. Embora seria de muito mais valia se, ao invés de se sentir culpado perante Deus e se auto flagelar  para e por ELE, as criaturas admitissem sua CULPA com quem ofenderam e diminuíssem a DOR delas. Paradoxalmente, não existiríamos se assim fosse, minha amiga. Quanto a Jesus, sabemos várias histórias dele e que era quase que indiferente a nós, minha amiga. E enquanto  me carregava pela mão pela via crucis  e morria por eles, jogava você no colo do mundo. Enfim. Mas tem uma história que ouvi na coxia do teatro da criação das histórias bíblicas que se não é engraçada, é pelo menos curiosa. Judas, o filho da puta, teria proferido uma frase no ouvido do filho de Deus enquanto o beijava para entregá-lo para ser crucificado, que o teria deixado muito irritado. Todos acham que a irritação de Jesus teria sido causada pelo fato da trairagem do discípulo. Só que ele já sabia disso. O que o deixou Jesus puto foi a frase que o x-9 lhe falou ao pé do ouvido junto com o beijo: “Tem CULPA eu?”.
Nada mais havendo a relatar eu, a DOR, lavrei e encerro essa ata.

Música do Dia: Inimigo do Batente (Cristina Buarque) (De: Wilson Batista) (Uma homenagem ao melhor bar do mundo o BIP-BIP de Copacabana. O Sandro chora de saudades).
Bicho do Dia: Jacaré (Aquele que come torresmo no Bip) (1058).


Filme da Semana: O Pântano (Direção: Lucrecia Martel).

sábado, 26 de abril de 2014

116º Dia: Motor

                  Qual é o Motor do Mundo? Creio, modéstia a parte, que seja eu, a DOR. Não diz o ditado que a DOR ensina a gemer? Pois os gemidos são o som da minha engrenagem em movimento. E o meu combustível, o meu carvão, é o sofrimento de vocês, humanos. Triste notícia para um sábado, não é? É a verdade, não minto. Acabem comigo e o mundo para. Não precisa esse enxame todo. Cansei de dizer aqui que basta que convivamos em paz. Tirem proveito de mim e eu tiro proveito de vocês, humanos.  Saibam que pra mim é indiferente ser a DOR boa ou a DOR má. As duas me satisfazem e o poder da escolha é de cada um. Meu motor tem muitos cavalos. Cavalos dados por vocês. E como diz o outro ditado, cavalo dado não se olha os dentes. Venha o que vier, eu digiro tudo. Tudo que cair nas minhas entranhas vira energia pra que o mundo siga girando. E como disse o grande “Majestade”, se o mundo é um carrossel e o carrossel é meu, um cavalinho só não adianta.

Música do Dia: Mão Católica (Camisa de Vênus) (De: Marcelo Nova/Karl Hummel/Gustavo Mullem)

Bicho do Dia: Águia (2505)

sexta-feira, 25 de abril de 2014

115º Dia: As Aparências Enganam



                     Quer ver como as aparências enganam? Você deve estar pensando: “a DOR não publicou seu texto de ontem, pois já passa da meia noite e nada de postagens”. Pois aí é que o distinto está muitíssimo enganado. Para vocês, humanos, parece que agora já é hoje, só que no meu relógio ainda é ontem. Entendam: nos dias atuais é muito mais comum se atrasar do que se adiantar. Meu relógio trabalha como no horário verão de vocês, humanos. Só que ao invés de adiantar uma hora, eu atraso. Daí minha jovialidade eterna, pois estou sempre uma hora mais nova que o mundo. E daí que parece que é sábado, mas ainda é sexta. Só os chatos é que dizem "ah, já passou da meia noite então já é outro dia". Pois eu digo que o dia pode começar só amanhã a tarde, quando você acordar. E que seja de ressaca. Ah, vá tratar de viver! Boa noite!
Música do Dia: Motor (Thiago Augusto) (De: T. Augusto e Sandro Dornelles) Que boi que tô te dando Hein, Sandro?
Bicho do dia: Urso (3792)

quinta-feira, 24 de abril de 2014

114º Dia: Chão de Estrelas

                 Os chãos das telas das televisões, das redes sociais e dos cadernos culturais andam salpicados de estrelas. Fico feliz de ver o mundo virtual dando espaço pra todos. E triste por ver todos não dando espaço para o mundo virtual. Imaginem se o céu a noite fosse uma estrela colada noutra estrela. Não existiria noite. Nem estrela.

Música do Dia: As Aparências Enganam (Elis Regina) (De: Tunai / Sérgio Natureza).

Bicho do Dia: Pavão (3175).
No Domingo de Páscoa eu esqueci do Filme da Semana: A Última tentação de Cristo (Direção: Martin Scorsese)

quarta-feira, 23 de abril de 2014

113º Dia: Trovoa

                  Agora já estou mais calma. Mas também só tendo sangue de barata pra aguentar tanta hipocrisia e ultimamente tenho dado nome aos bois, às vacas, aos coelhos, aos cachorros, aos burros, às cobras e a toda fauna metafórica de gentes. E essa história de dar conselhos e regras de bem viver tem feito me sentir como uma deusa que interfere na vida dos mortais, quando meu objetivo aqui nesse blog é outro. É apenas tecer comentários, tirar conclusões e me divertir no mundo das palavras. Minha profissão exigi que eu tenha sangue frio e tenho tido algumas reações, digamos, emocionais e passionais demais. Como já disse, emoção é coisa pra vocês, humanos. O meu nome é tempo bom. Tenho que andar ensolaradamente por aí, flechando minhas presas com indiferença. Pra sorte de todos, ando mais ocupada em teclar do que em flechar. Neste momento estou no aeroporto, ver os aviões decolando e aterrizando  me inspira. Ainda mais numa linda manhã como essa. Entretanto, uma criatura sentou do meu lado – que sou invisível para ela -, e desandou a falar groselha. Mais um pedante cheio de razão. Nuvens começaram a aparecer do nada. A brisa virou um vento forte. E o papo furado continua. Algo perturba minha calma. Tento me concentrar nos escritos, mas algo em mim trovoa.

Música do Dia: Chão de Estrelas (Nelson Gonçalves) (De: Silvio Caldas / Orestes Barbosa)

Bicho do Dia: Camelo (2129)

terça-feira, 22 de abril de 2014

112º Dia: Cálice

                  Como vocês, humanos, tem visto, eu ando meio de saco cheio, então hoje vou seguir a ordem do título e calar minha boca.

Música do Dia: Trovoa (Paulo Monarco e Dandara) (De: Maurício Pereira).

Bicho do Dia: Borboleta (0914).

segunda-feira, 21 de abril de 2014

111º Dia: As Rosas Eram Todas Amarelas

         Não sei o significado ou a mensagem subliminar que trazem consigo as rosas amarelas. Há um mistério a cerca das rosas amarelas e Dostoievski. Motivo pra uma pesquisa futura? Pode ser. Basta, por hora, dizer que cada um manda rosas da cor que quiser, pelo motivo que quiser. Pode ser uma declaração de amor, um pedido de desculpa, pêsames, para parabenizar, enfim.  Acordei pensando em qual seria a cor das rosas que eu mandaria para o mundo. Ainda não me decidi. Sei é que entramos hoje nas ressacas das comemorações católicas e comemoramos o dia de Tiradentes. Duas palavras me chamam a atenção quando se fala nestes temas: a Indulgência (do Catolicismo) – o perdão, a facilidade para perdoar -, e a Inconfidência (do mártir na visão da Coroa)– a falta de fé ou de fidelidade para com o outro. A pergunta que faço a vocês, humanos, é: com quem vocês têm sido indulgentes e com quem vocês têm sido inconfidentes? Acho que vale a pena se perguntar. Não se prendam a datas. Dias atrás se comemorou o dia do Índio, mas o que adianta se tratam o Índio sem indulgência e quase como um inconfidente? Peço para que pensem e penso também. Eu não sou indulgente e também não sou inconfidente. Meu papel no mundo não me permiti isso. Pra quem mando então minhas rosas? Pensando um pouco mais, vi que o Dostoievski foi tratado como um inconfidente e sem indulgência pelo governo russo. Tudo bem que foi “perdoado” aos 49 do segundo tempo, pois momentos antes de ser executado, sua pena foi mudada para quebrar gelo na Sibéria. Sendo este artista russo um dos meus preferidos e sendo, como eu, um jogador inveterado, já me decidi: é pra ele que mando minhas rosas. Misteriosamente, amarelas.

Música do Dia: Cálice (Chico Buarque e Milton Nascimento) (De: Gilberto Gil / C. Buarque) https://www.youtube.com/watch?v=26g1jQG-n4Y
https://www.youtube.com/watch?v=8CnSiaP-jL4 (Explicação do Gil pra música “Cálice”).

Bicho do Dia: Galo (1849) (Ano em que Dostoievski foi exilado). 

domingo, 20 de abril de 2014

110º Dia: Shirley


                  Shirley foi a mulher que quase me fez virar um de vocês, humanos. Uma vez me foi dada tal opção de continuar sendo DOR ou começar a ser gente. Shirley me tentou. Shirley me mostrou a maçã. E o paraíso. E a fuga para o Egito, bairro pobre de uma cidade do Centro- Oeste. E um pouco da calcinha quando bateu um vento em sua saia e tudo mais que uma mulher pode mostrar. Eu cheguei a tocar a Shirley com minha carne invisível, mas ela ficava pouco em meus braços, era bem mais chegada ao prazer. Entre as tantas qualidades que Shirley derramava em sua frondosa existência, uma me arrebatava mais: ela acreditava na ressurreição de uma certa amiga, que segundo ela, mudaria a visão dos homens sobre o mundo. Uma amiga que ressuscita até hoje no coração dos homens como DOR, mas que um dia irá ressuscitar como BONDADE.
Fala sério, se eu quisesse fundar uma igreja hoje você seria meu discípulo. O que você não sabe, é que já é.

Música do Dia: As Rosas eram Todas Amarelas (Jorge Ben).

Bicho Do Dia: Onça (7556).

sábado, 19 de abril de 2014

109º Dia: Se te Agarro com Outro te Mato


                  Nos últimos dias andei metida à escritora de ficção. Não que os temas e as conclusões ficcionais difiram muito da vida real. Mas às vezes os contos, novelas, parábolas e afins nos chamam mais atenção que os jornais e os noticiários televisivos. Espero que assim tenha sido. Gostaria muito de fugir para o mundo real, mas quando minha imaginação me chama para o seu mundo, o seu chamado é mais contundente que o canto da sereia. Lembram-se daquela moça, a Miss, que depois de vários dias dormindo, acordou maquiada para sempre? Nem sabiam que era a mesma moça? Pois era. Pois ainda é. Agora ela anda fugida. Fugiu da minha imaginação pra imaginação do Sandro Dornelles, que assim como eu, anda se aventurando pelo mundo das literaturas. Acontece que sou ciumenta. E como o ciúme é um dos aromas que perfumam as histórias trágicas de amor, resolvi levar ao pé da letra a máxima “se te agarro com outro te mato / te mando algumas flores e depois escapo”.  O outro é o Sandro. Eu matei a moça. As flores aqui tem cheiro de morte. Uma morte figurada a que causei, pois só tirei a moça da cabeça e ela não mais figurará em minhas histórias. Não é da minha conta se figurar em outras. Pensando assim, quem escapou foi ela, não eu, a “assassina”.  Eu escapo agora aqui do blog para curtir este final de sábado, frio, nublado e belamente triste, como é do meu gosto. E já posso sentir que outra moça está vindo povoar minha imaginação...

Música do Dia: Shirley (Túlio Borges)
https://www.youtube.com/watch?v=7yaHk_CBwIg
Bicho do Dia: Galinha da Páscoa (Ou você acredita que coelho põe ovos de chocolate?)

sexta-feira, 18 de abril de 2014

108º Dia: Maquiagem


                  A moça acordou sem acordar. Viu que a manhã já era tarde. Quando se olhou no espelho se deu conta que tinha esquecido de tirar a maquiagem antes de dormir. Tinha esquecido também de tudo que acontecera na noite anterior. Sua cabeça doía muito, então se deu conta do porque da amnésia: tinha bebido. E muito. Pensou em deixar pra lá e dormir de novo. Quando se deu conta que não estava na sua casa. De quem era aquela casa enorme sem ninguém, além dela, dentro? Começou a se buscar na memória. Nada. Parecia que sua existência tinha começado momentos atrás, quando acordou. Começou a rir, pois estava claro que não tinha acordado, que era um sonho e que aquela preocupação era dela no sonho, não dela propriamente dita. Quando terminou de fazer a maquiagem viu que o espelho refletia seus traços mais bonitos que tinham sido ressaltados pela maquiagem artística que havia feito em si mesma. Durante um segundo pensou que no outro dia acordaria sem maquiagem, pois sempre a tirava antes de dormir, e veria mais uma vez seu rosto, que para ela era um rosto passado que ela já tinha enjoado e durante mais um segundo pensou em ficar para sempre com a maquiagem. E durante mais um segundo não pensou nada. Saiu. Maquiada. Queria comemorar. E dali pra frente se veria para sempre de maquiagem, pois seu rosto sem maquiagem já não existia mais nos reflexos dos espelhos.

Música do Dia: Se Te Agarro com Outro te Mato (Sidnei Magal).

Bicho do Dia: Não é Viado, não. É Gato! (Ah, mintira pretinha!)

quinta-feira, 17 de abril de 2014

107º Dia: Miss Lexotan 6mg Garota


                 Uma linda Miss de um longínquo lugar, nem tão longínquo assim, caiu em duradouro sono profundo e tinha ao seu lado, na cama, uma caixinha de um remédio tarja preta e um exemplar do livro Cem Anos de Solidão. Uns dizem que foi culpa do remédio outros que ela gostou tanto do livro que não quis nunca mais sair de dentro dele. Tanto faz, pois qualquer uma das opções são motivações totalmente plausíveis. Quem a conheceu mais de perto tem certeza que ela é capaz de matar Um Pequeno Príncipe que venha arriscar um beijo para tentar despertá-la.

Música do Dia: Maquiagem (Alexandre Missel) (Homenagem aos integrantes do Entretantos – A. Missel, Caio Martinez, Moreno Moraes e Rodolpho Bittencourt -, que fazem Show hoje em Porto Alegre no Teatro Bruno Kiefer, às 20:30 horas). http://www.youtube.com/watch?v=bT1omH2Aqus

Bicho do Dia: Formigas (As que devoraram Aureliano, o homem que nasceu com rabo de porco). (Uma homenagem ao escritor Gabriel Garcia Marques, falecido hoje). 

quarta-feira, 16 de abril de 2014

106º Dia: Eu Queria Ter uma Bomba


                  Eu queria ter uma bomba. Um título como esse escrito nos EUA certamente chamaria atenção e é bem possível que até botassem uns investigadores atrás do autor. Ou poderia estar na lista de presentes de uma criança filha de um membro de alguma organização terrorista e muitos acharem normal. Ou, se escrito por algum integrante de torcida organizada de futebol no Brasil e postada nas redes sociais, poderia causar um certo rumor. Ou um jornalista desempregado poderia falar isso no desejo ter uma notícia desse calibre. O que nos faz concluir que cada enunciado terá uma determinada interpretação dependendo de quem o faça e de onde o faça e por que meio o faça. Eu, por exemplo, não queria ter uma bomba, pelo simples fato que já a tenho. Convém, portanto, que vocês, humanos, refaçam a pergunta, visto que quem tem a bomba sou eu, a DOR. Acabo o texto aqui e deixo ecoando minha risada alta e estrondosa ao estilo que sonoplasticamente remete ao riso da bruxa má. HAHAHAHAHAHA!

Música do Dia: Miss Lexotan 6mg Garota (Jupiter Maçã) (Uma homenagem ao colaborador do Dia Fernando Ramos, fomentador, apresentador e modelo oficial do FestiPoa Literária, que esse ano se realizará no mês de Maio)

Bicho do Dia: Bruxa (aquela mariposa grande que atende por esse apelido)

terça-feira, 15 de abril de 2014

105º Dia: Mistério do Planeta


                  Desde o instante em que me foi dada a oportunidade de escrever aqui neste blog, tenho me perguntado se serei capaz de desvendar o Mistério do Planeta. E a cada de dia de convívio mais direto com esse mundo, me convenço que tal empreitada é difícil, senão impossível. Vocês, humanos, devem estar se perguntando que mistério é esse. Santo Sudário? Combustão espontânea? Stonehenge? Atlântida? O Sanatório de Waverly Hills? As linhas de Nazca, no Peru? A Área 51? O calendário Maia? A dificuldade de cancelar planos de celular por celular? Não. O maior mistério cuja Caixa de Pandora que ainda não foi aberta é: como todos vocês, humanos, ainda não viraram personagens-baratas do livro que vem escrevendo sobre a vida real de vocês? Quem são os Gregor Samsas dos dias atuais? Provavelmente, nesse exato momento em que faço tal questionamento, Franz Kafka sorri no túmulo, enquanto aos berros a vizinha maníaco-depressiva - que tem piercings na barriga e na sobrancelha malhada -, do Sandro Dornelles, canta aos berros “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante!”. De onde concluo que o maior mistério do planeta ainda é a Ironia. Do destino.

Música do Dia: Eu Queria Ter uma Bomba (Barão Vermelho) (De: Cazuza)

Bicho do Dia: Leão (0462)

segunda-feira, 14 de abril de 2014

104º Dia: Hein?!

                  O mundo todo foi ver o noticioso na televisão. O âncora, que estava há anos encalhado naquela cadeira, falou: “Daqui pra frente o nosso planeta decidiu que não vai mais fazer nem os movimentos de rotação, nem os de translação. Para se salvar dos seus habitantes ele vai girar ao contrário para voltar no tempo enquanto é tempo e vai para bem longe do sol para botar de castigo no cantinho da escuridão a todos que o tem maltratado”. No que os estupefatos terráqueos que não se sentiam culpados de todo aquele lixo e poluição, incredulamente proferiram: “Hein?!”. Nesse exato momento a Terra parou de girar. Depois de alguns dias todos notaram que estavam desfazendo tudo aquilo o que já tinham feito e depois de alguns meses tudo era um breu só. Num passe de mágica o Mestre dos Magos apareceu e deu a dica para que se revertesse tal situação. Ouviu-se mais uma vez um uníssono e infrutífero “Hein?!”. Infrutífero, pois todos já sabiam que era do feitio do Mestre dos Magos desaparecer e deixar os outros falando sozinho. E o mundo continuou andando pra trás e sem luz.
Moral da história: se fazer de desentendido depois que você fez a merda, não esconde o cheiro da mesma.

Música do Dia: Mistério do Planeta (Novos Baianos: Paulinho Boca de Cantor, Moraes Moreira, Pepeu Gomes, Luiz Galvão, Dadi, Baby Consuelo e CIA) (De: Luiz Galvão / Moraes Moreira).

Bicho do Dia: Jacaré (9658). 

domingo, 13 de abril de 2014

103º Dia: El Cuarto de Tula


                  Depois de todo acontecido, restaram as cinzas do quarto de Tula. Por sorte ela foi salva a tempo. Mas um mundo que ali existia acabou-se. Sim, acho que o quarto de cada um é um mundo que só conhece quem o habita. Um mundo das miudezas de valor inestimável ao coração. Pertences, brinquedos, vestidos, camisas, sapatos, quadros, livros, tapetes, camas, enfim, cada coisa é um universo dentro do outro universo que é o quarto. Os aprendizados, os dramas, as alegrias, tudo da existência de cada um paira no ar de cada quarto, está invisivelmente grudado nas paredes dos quartos. Fica a torcida e a esperança de que eu seja chamada para visitar os quartos somente para que eu mostre meu lado suportável e que o convívio comigo traga a elevação enquanto pessoa e jamais o trauma do espírito ou as sequelas das maldades causadas pelos invasores que acabam para sempre com as lembranças boas e com o espírito dos donos dos quartos. Dia desses postaram na internet fotos de quartos de crianças de vários cantos do mundo e de várias classes sociais. Bem triste a realidade de algumas. Mas tomara que para essas o humilde quarto seja o recanto para a produção de sonhos e melhorias. Eu hoje estou me sentindo de alma boa, ao contrário do pensamento torto que vocês, humanos, tem ao meu respeito. Eu não sou do mal, já falei. Na sua maioria eu atendo chamados e não posso negar meus serviços, nunca vou por conta própria, embora muitas vezes eu tenha que uma imensa vontade de fazer justiça com as próprias mãos, mas vocês bem sabem que justiça com as próprias mãos corre o grande risco de ser uma injustiça. Enfim, findo o texto aqui lembrando do quadro que Van Gogh fez do próprio quarto e do grande escritor que escreveu um livro em homenagem as viagens que fez ao redor do próprio quarto (“Viagem ao Redor de Meu Quarto”, do francês Xavier de Maistre). No mais, é isso e se preparar para visitar o quarto de vários gremistas logo mais a noite.

Música do Dia: Hein?! (Nei Lisboa) https://www.youtube.com/watch?v=oTgAbh3pn2s
Bicho do Dia: Cabra (3721)

Filme da Semana: Quem quer ser um Milionário? (Direção: Danny Boyle)

sábado, 12 de abril de 2014

102º Dia: Nóiz

             Sabemos, e eu sempre reitero aqui, que a fala muda a língua. E, indiferente aos erros de português, a fala invade a forma escrita. Não que eu concorde com erros de ortografia e concordância, mas existem palavras, expressões e frases que sonoramente nos agradam e quando vemos estamos falando e reproduzindo algo que eu não chamaria de português errado, mas sim, licença poética. “É nóiz” é um desses casos. É a expressão que simboliza entre tantas coisas uma espécie de “tamo junto”.  Uma relação de afinidade nos objetivos e nas lutas entre as pessoas afins que proferem tal frase.  Se eu, a DOR, tivesse que falar isso pra alguém nesse sábado moroso, onde meu esforço para tratar criativamente de tema tão interessante cai por terra nas primeiras digitadas que herculanescamente dou, eu olharia nos olhos desse alguém com toda a cumplicidade que me fosse possível, lhe daria um abraço apertado e mandaria do fundo do meu coração: É NÓIZ, PREGUIÇA!

Música do Dia: El Cuarto de Tula (Buena Vista Social Club) (De: Sergio Gonzáles Siaba) https://www.youtube.com/watch?v=4b9fVu-csT0

Bicho do Dia: Megatherium Americanum (Também conhecida como Preguiça Gigante)

sexta-feira, 11 de abril de 2014

101º Dia: Ausência

                  Ausência é a não presença de algo. Tem umas que nos deixam tristes, outras mais tristes ainda. Sei que quando morre algum ente querido de vocês, humanos, é barra. A ausência fica no lugar na mesa, no silêncio da risada, na falta do carinho. Eu sei, ela é minha amiga e dói. Mas e os vivos que tão pro aí falando  e escrevendo groselha? Suas falas e seus escritos nos apresentam várias ausências: de seriedade, de profissionalismo ou de inteligência. Não sou gente, mas tô de olho aberto, ouvido atento e minha caneta blogueana virtual tá nervosa. Tempos atrás, poucos podiam escrever e os poucos dos que escreviam eram lidos e os poucos que eram lidos corriam o sério risco de serem censurados. Depois, muitos deram seu sangue, se sacrificaram para que tivéssemos a bendita liberdade de expressão. Atualmente, qualquer um pode ser jornalista, pode ser artista, pode ser o que quiser. Basta saber usar as ferramentas da internet e divulgar seu trabalho. Venhamos e convenhamos que tem um mar de merda, mas  mil vezes um megafone na boca de um imbecil que uma mordaça na boca de todos. O que nos protege do lixo virtual ainda é o  nosso livre arbítrio, que nos dá o direito de ouvir, olhar, ler o que  bem quisermos. Só que parece que vocês, humanos estão perdendo sua capacidade de discernimento ou foram infectados pelo novo vírus que está se multiplicando aceleradamente, proporcionalmente ao número de curtidas e likes que os textos e vídeos portadores desse vírus recebem. Na verdade esse vírus é antigo, assombroso é o seu poder de adptação aos novos nichos, aos novos habitats, aos novos tempos. Ele se chama Polêmica Barata. Esse vírus só se cria em ambientes de forte luz de holofotes midiáticos. Tomem cuidado! Tem gente burra, mal caráter e com trabalhos  medíocres querendo ganhar sua atenção desmerecendo trabalhos sérios de outros. Ao sentirem que estão entrando em tal terreno, deem o fora pra deixar o internauta falando sozinho. Quem sabe se de tanto falar sozinho ele não escute o que tá falando e se dê conta que está na "profissão" errada? Então minha dica-cura é essa: "demitam" os incompetentes do seu mundo virtual. Ou como disse o poeta de Santo Amaro: "não... que loucura, cara... você é burro."

Música do Dia: Nóiz (Emicida) (Uma homenagem ao colaborador do dia Laércio Amaral)
Bicho do Dia: Cachorro (9720)

quarta-feira, 9 de abril de 2014

100º Dia: Acertei no Milhar

                  Poxa, hoje é um dia muito especial pra mim, CENTÉSIMO DIA! Mas tem uma pergunta que não quer calar: porque cargas d’água você ainda não acertou no milhar, Sandro Dornelles, com esses quase 100 palpites que te dei? Faz mais de 365 dias que tu não pega nem gripe! Mas não riam do rapaz, como já disse o grande poeta do samba “ele dá duro no “baralho” pra poder viver”!  Já daria pra comprar muita coisa com o dindim que vem investindo no que ele chama de “poupança de risco”. Pois sabemos que diferente de tampas de caneta, isqueiros e outras coisas perdíveis que vão para os buracos negros ou para o mundo fantástico das coisas perdidas, o dinheiro não some nunca. Ele passa de mão em mão, muito mais em umas mãos do que em outras, e seu mundo é bem material. E o mais engraçado, se pararmos pra pensar, que se ele passa de mão em mão e nunca fica muito na mesma mão, concluiremos que ele, o dinheiro, não existe. Se vocês, humanos, não concordam com isso, convenhamos que seja, pelo menos, uma boa desculpa para o vício do jogo. Durma com um barulho desses, Sandro Dornelles.

Música do Dia: Ausência (Cesária Évora) (De: Goran Bregovic)
Bicho do Dia: Vaca (0100).

99º Água Boa De Beber

                  “Quem dentre vós nunca pecou que atire a primeira pedra” foi o que disse em tom de brincadeira o lago plácido de água límpida para o grupo de crianças que o apedrejaram simultaneamente com pedras aerodinamicamente feitas para quicar em superfícies líquidas. Porque hoje eu estou portadora da sapiência de que uma água boa de beber é também boa de brincar. E versa e versa.

Música do Dia: Acertei no Milhar (Moreira da Silva) (De: Geraldo pereira e Wilson Batista). https://www.youtube.com/watch?v=3RFU0-bjNO4
(Primeira gravação deste clássico do samba de breque, feita pelo grande Moreira da Silva na Odeon em 4 de abril de 1940 e lançada em agosto do mesmo ano, disco 11883-B, matriz 6332.) (Homenagem aos Oficineiros da Criação Poética na Música Popular Brasileira).


Bicho do dia: Veado (2294)

terça-feira, 8 de abril de 2014

98º Dia: Palavriá

                  Pra palavriá pasta palar pom a píngua polta ou princar pe prava-píngua. Po puingue pa pachaça ou pa perveja pa pesa pe par. Po pozerio pa peira. Pontar pausos, prestátenção pos pausos. Pra palavriá pe peve priar palavras povas. Palar pom parinho. Palar palavrões pambém. Pão per pedo pe per peliz. Pom pias, poas poites e poas pardes pão paterial pe palavriá. Pentilezas pe podo pipo pazem parte po palavriá. Par pó em pingo p’água. Par pom os purros p’água. Peber pa ponte pímpida po perbo e invetar, pesiventar, pubverter, perter. Pudo pode palavriá! Puem pão palavreia é porque pão puer. E pandar os pernósticos pra puta pue pariu!  Pão pabe pe pada, inocente! Pora palavriá peu povo!!!
O mais legal dessa brincadeira é zoar com o corretor do Word. Ou será que foi ele que zoou comigo?

Música do Dia: Água Boa de Beber (Zé Alexandre) (De: Zé Alexandre / Paulo Delfino) https://www.youtube.com/watch?v=ZlcJWL-yYpc
Bicho do Dia: Pato-Parvo (Priado em pativeiro)

segunda-feira, 7 de abril de 2014

97º Dia: História de Cantador

                  É disso que eu falo. Ou melhor, escrevo. Na verdade eu mais escuto que escrevo, mas escrevo muito do que escuto. Gosto das histórias que saem da boca do povo. Do cantador. Do contador de história. Do propagandista da praça. Do palhaço. Do poeta. Dos armoriais da fala. Dos desafios. Dos improvisos. Dos partideiros e versadores. A Língua filha da mãe Lusa-Sânscrita-Esperanta. Das palavras jogadas no meio fio das calçadas e recolocadas nas vozes e nos papéis e recolocadas nos computadores e impressas e lidas e faladas e jogadas no lixo e derramadas de novo no meio fio das calçadas no eterno ciclo de reciclagem da língua. A palavra-chuva. A palavra-chave. A palavra-shiva. A palavra-xepa. A palavra chova! Que se inundem os dias, os meses, os anos. Que se irriguem as plantações de escribas. Que naveguemos nas histórias canta-faladas e fada-encantadas do porvir.  Que se reiniciem os ciclos. Que encharquem as palavras com as quais se queima a Língua. Que se ebulicione a Língua. Que se meta-alimente a re-volta da Língua. A Língua crua. Crua não porque mal passada, mas porque espontânea. A Língua cozinhada e preparada no dia a dia do fogo da fala-transmutação. Eis aí meu Manifesto.

Música do Dia: Palavriá (TARUMÃ: Marcelo Barum, Carlos Moreno, Alê Moreno, Daniel Pessoa e Daniel Taruma) (De: Daniel Sanches) 
https://www.youtube.com/watch?v=PeH99hPC-MM

Bicho do Dia: Grilo (O Falante).

domingo, 6 de abril de 2014

96° Dia: Décima de Reis

                    Muito tenho me divertido em conhecer as décimas: de reis (dos reisados), glosas, martelo agalopado, galope a beira-mar, pajadas (décima de espinela, dos cantadores gaúchos) e cordéis. Suas métricas e seus esquemas de rimas. Muito bom de ler, mas muitos melhor quando falado por alguém, e melhor ainda se tiver um acompanhamento de um violão ou viola, ou se for musicada mesmo. Elas todas, em sua maioria, contam histórias. Diversão garantida. Como hoje é domingo, me darei à liberdade de arriscar uma décima, duas estrofes apenas:

Décima da Perseguida

Atende por vários nomes
A mocinha dessa história
Pra alguns é Xana-Chicória,
Espanta-quem-não-é-homi
Um tanto de codinome
Periquita, Cheirosinha
Xereca, Aranha, Amiguinha
Fenéca, Febra, Feféia
Chaba, Rebucetéia
Chandanga, Queca, Rainha.

Ganha-Pão, Lalá, Cachópa
Marota, Pastel de Pêlo
Rororoca, Desmantêlo,
Mais-que-linda, Poliglóta
Pepeca, Xiba, Xoxóta
Bingucha, Meiga, Querida
Que pode ser Perseguida
Mas só com amor tratada
Jamais a forçar a nada
É a porta da luz da vida!

Música do Dia: História de Cantador (Djavan)
Bicho do Dia: Veado (8593).
Filme da Semana: O Auto da Compadecida (Direção: Guel Arraes. Baseado na obra de Ariano Suassuna). 

sábado, 5 de abril de 2014

95º Dia: Por Um Fio

                  Taí uma expressão que pode ser incessantemente usada quando o assunto é paciência. O Sandro Dornelles que o diga. Fiquei só o observando hoje. Logo cedo, na padaria discutiu com o padeiro que, segundo ele, insistiu em botar os pães de cabeça pra baixo no balaio; depois se exaltou com o apontador do jogo do bicho porque o “9” tava parecendo um “4”. Mal disse um sujeito que passou por ele com uma camisa do time que perdeu pro colorado em casa de virada no último domingo; xingou pombos, cachorros, gatos, insetos e todo ser vivo que cruzou o seu caminho; indignou-se com o forno por queimá-lo enquanto tentava fazer um bolo de cenoura que acabou abatumado; entrou em desavença com o rapaz da água que gentilmente quis trocar o galão; chutou com raiva a bola de plástico do menino do vizinho que caiu no seu pátio para o pátio do outro vizinho; vociferou contra o pé da mesa que bateu no seu dedo mindinho; tropeçou enquanto levava a secadora cheia de louças de um ponto a outro da cozinha e quebrou pratos e copos que por pouco não o cortaram todo; teve azia e se efervesceu mais que o sal de fruta no copo; execrou os torpedos diários e inúteis da sua operadora de celular; amaldiçoou os carros e os motoristas dos carros que passaram com funks pagodes sertanejos a todo volume na frente da sua casa; quando a porta apertou seu dedo  expeliu palavrões de toda espécie; falou mal do mundo. Como vocês podem ver foi difícil escrever hoje, tamanho o barulho e a rabugice do nosso personagem . E haja ponto e vírgula pra elencar tanta coisa. Se a paciência dele está por um fio, a minha anda por um fiapo. Sorte a minha que sou blogueira e não perco o fio da meada. Sorte a dele que sentou no seu “alpendre” e abriu uma cerveja para acalmar os ânimos. Mas se esqueceu de que lata também tem fio. A música que ele tá ouvindo também. E ambas cortam, hehehe.

Música do Dia: Décima de Reis (Luiz Salgado)
https://www.youtube.com/watch?v=8DH4p-Kzssc
Bicho do Dia: Sabiazinho (O Fio do Cantadô) (6328) 

sexta-feira, 4 de abril de 2014

94º Dia: Disparada

                  ... não se sabe quem foi o primeiro a começar a correr, mas quando se deram conta, todos corriam em disparada rumo a qualquer lugar em que tivesse mais espaço pra correr. Os estacionamentos foram os primeiros lugares a serem invadidos. Os que ainda não estavam correndo, - sabendo da iminência de serem contagiados pelo vírus que ficou conhecido como “corrida sem fim” - começaram a derrubar os prédios e tudo mais para aplainar os terrenos e transformar tudo num enorme pavimento. A Terra continuava redonda, mas o que não era água na Terra, virou planície. Antes que toda a humanidade fosse contaminada, já haviam destruídos todos os morros, montes, montanhas. Everest, Alpes, Cordilheira dos Andes, tudo foi implodido e as sobras das implosões viram material para pontes que cruzavam aos milhares de um continente pra outro. Traçavam projetos de pontes que ligassem o planeta como outros planetas do Sistema Solar. O último homem a começar a correr pôs o último tijolo na inacabada ponte interplanetária. Muitos morreram nessas construções. Os que não morreram, corriam desesperadamente sem saber pra onde. Só corriam. Alguns tentaram parar de correr, mas foram ficando anêmicos, até definharem e morrerem de inanição. Correr era então o alimento. Os oceanos viraram os cemitérios onde se jogavam os pobres velhinhos que não tinha mais força física para correr. As pessoas adquiriram métodos para copular correndo e com a mesma rapidez dos coelhos para, assim, darem continuidade a espécie humana. Os rebentos, antes mesmo do primeiro choro, já nasciam correndo e saiam em disparada do meio das pernas das suas mães e raramente mãe e filho se encontravam de novo. As mulheres só paravam de correr para parir ou para morrer. As florestas e os outros animais terráqueos haviam desaparecido da face plana da Terra. Entretanto, um homem que vinha na sua corrida infinda, num dado momento, encontrou um bicho num andar vagarosamente lento que parecia uma mistura de lesma com tartaruga. Instintivamente ele engoliu tal bicho. E parou. Sentou no chão aliviado como se tivesse dado uma gozada resultante de uma transa tântrica que havia durado uns 30 anos. Olhando a correria dos outros todos pra lá e pra cá, pensou: “Puta que pariu, aonde foi que eu deixei a porra do meu cigarro?”... Nisso acorda, sobressaltado e atrasado, um homem comum dos tempos atuais e sai correndo para pegar um ônibus no qual nunca entraria, pois este homem seguiria em disparada para sempre.

Música do Dia: Por um Fio (Celso Viáfora) (C. Viáfora / Vicente Barreto).
Bicho do Dia: Avestruz (7803)

quinta-feira, 3 de abril de 2014

93º Dia: Oriente Amazônico

                  A meu ver o oriente amazônico está nos olhos puxados dos índios. Que ali esteja o olhar da sabedoria oriental misturado ao conhecimento profundo da natureza. Que ali estejam a cura pela farmacologia das ervas da mata com as ervas do sol nascente. Que ali esteja a precisão da flecha e da espada do samurai. Que esses olhos puxados nos atraiam para o seu mundo e nos mostrem no seu passado as alternativas para um presente melhor... quando voltei do transe de um belo sonho indígena oriental aonde eu estava sobre o efeito de uma erva alucinógena, me deparei com uma televisão ligada mostrando uma reprise de carnaval aonde um oriental dentuço fantasiado de índio fazia uma dança de um coreano que virou mania mundial. Não soube nem o que pensar. E confesso que ainda não sei. Mas lembro de que pude notar que num canto da tela, enquanto via o vídeo bizarro que acabei de narrar, havia um senhor negro de cabelos brancos vestindo um terno, adormecido numa cadeira com a cabeça escorada na mesa ao lado de um copo que me parecia ser de cachaça. Então entendi tudo. Se para mim, ver a reprise daquela cena do dançarino oriental já estava sendo sofrida, conclui que o senhor negro de cabelos brancos deve ter dormido por conta do cansaço da folia, mas principalmente para que seu carnaval não terminasse ali em meio a dantesca cena e também para que no seu sono ele sonhasse aquele sonho que eu estava sonhando no início do texto.

Música do dia: Disparada (Jair Rodrigues) (De: Geraldo Vandré)

Bicho do dia: Homem (aquele que ainda é bicho).

quarta-feira, 2 de abril de 2014

92º Dia: Eu no Futuro

                  Pois é, quando vejo os acontecimentos e percebo uma certa morosidade por parte de vocês, humanos, para que as coisas melhorem, vejo que meu futuro é promissor. Não que não o fosse se assim não o fizessem, mas que dá uma certeza a mais, lá isso dá. Mas do fundo do meu coração que não tenho desejo um ótimo futuro a todos. O futuro é o berço da esperança. Ouso dizer. Quantas vezes vocês já ouviram “isso aí não dá futuro”? Pois eu rebato dizendo que só não dá futuro aquilo em que você não acredita ou o olho gordo do energúmeno que profere tal frase. De resto, mão na massa. Um pouco de respeito e educação com o próximo ajuda. E conserva os dentes para que você possa se alimentar e dar continuidade a sua vida. Sinceramente, me prefiro muito mais como ontem, literária e profética, do que como hoje, tendo que dar dicas de bem viver para que se profetize um futuro melhor. Faço isso porque por mais que eu tente fazer vista grossa, vocês insistem em chamar a minha atenção com esse cabedal enorme de mancadas e vídeo cacetadas. Mas, como diz o Sandro Dornelles: vamo que lá! Como última comida de rabo do dia, eu diria que só acreditarei que o Brasil é o país do futuro, no momento em que você for uma pessoa do futuro, só que no presente.

Música do Dia: Oriente Amazônico (Zebeto Correa) (De: Zebeto Correa / Caio J. Maciel) https://www.youtube.com/watch?v=wiTlnyraquc

Bicho do Dia: Peru (3580)

terça-feira, 1 de abril de 2014

91º Dia: Feira Moderna

                  Não era o pregão da bolsa. Eram os feirantes e suas potentes vozes propagandeando seus produtos com seus versinhos sacanas para as moças bonitas. Mas que feira era aquela, pois não se viam verduras, frutas e coisas normais sendo vendidas nas barracas? A pergunta que pairava no ar foi respondida pelos alto-falantes: é a feira moderna! Quanta coisa linda naquela feira! As gentes chegavam aos montes para conhecê-la. Ensaiava-se ali o que parecia ser um plano piloto para que as feiras do planeta tomassem um novo rumo. Euforia, muita força de vontade nos braços e nas mentes, suor e alegria eram vistos pelas brechas do futuro. Nos arredores da feira moderna tramavam para acabar com a festa. Queriam o fim da feira moderna e de todas as outras feiras, que virariam dias da semana sem sábado e domingo. Todos iriam comer o que fosse plantado por eles em seus jornais, revistas e outdoors. Cortariam os pés de música pela raiz. As folhas dos livros seriam decepadas antes que o outono viesse colhê-las com sua mão de pelica. As telas, esculturas, gravuras e demais plásticas não ficariam mais em pé quando lhes tirassem do âmago o tronco de sustentação. As gentes já tinham ouvido rumores apocalípticos na metálica viola e na voz de Pinóquio, o cego da feira. Não deram bolas. Chegou então o dia da tomada da feira moderna. As gentes indiferentes armavam suas barracas futurísticas para mais um dia de trabalho, cantorias e esperanças. A feira foi tomada. Ruíam sonhos, sumiam gentes, calavam vozes, choviam lágrimas. E assim foi durante anos. O problema - que também já tinha sido rimado por Pinóquio -, é que aquele dia era amaldiçoado para qualquer tentativa de guerra, só que os invasores também não lhe deram ouvidos. Um certo dia, do nada, o tempo começou a correr para trás e parou exatamente no primeiro de abril da profecia do cego de madeira. Um enorme buraco negro engoliu as gentes da antiga feira moderna e os golpistas do presente que já não existia. Durante anos, só se via um vasto sertão desértico com a cor polar do abandono. Uma árvore começou a brotar no chão duro. Dela vieram os alicerces para a reconstrução da feira moderna. E todo dia primeiro de abril ouve-se o murmúrio lamento e a metálica viola do cego cantador que doou uma perna como muda para a reconstrução do mundo.

Música do Dia: Eu no Futuro (Lula Queiroga) (De: L. Queiroga / Lulu Oliveira).

Bicho do Dia: Bicho de Sete Cabeças.