Novas Histórias

Novas Histórias
Foto de Ju Vinagre

segunda-feira, 31 de março de 2014

90º Dia: Deixa pra Lá

                 Eu diria que é melhor deixar pra lá do que brigar com quem não merece. Lógico, em determinados momentos é impossível, mas pra casos como estes já dei minhas dicas sobre vingança em um texto que publiquei aqui, hehehe. Sério, deixa pra lá. Guardar rancor por coisinhas miúdas, pra quê? Não vale a pena desperdiçar sua energia nisso, existem coisas muito mais importantes na sua vida. E até porque o que vem ruim volta ruim pra quem mandou e afinal de contas um dos motivos de eu estar no mundo é esse. Nossa, hoje estou me sentindo uma respeitada senhora autora de livros de autoajuda para salvar as pobre almas do mundo. Deixa pra lá e segue em frente. Quando s coisas não acontecerem do jeito que você quer, deixa pra lá. É o melhor a ser feito. Quer uma prova? Está aqui. Estou fazendo um esforço hercúleo para arranjar inspiração para escrever o texto de hoje. Mas olha, tá difícil. Por isso vou parar de escrever por hoje. Deixar pra lá e me preparar para assistir um longa de desenho animado no final da tarde.

Música do Dia: Feira Moderna (Beto Guedes) (Fernando Brant / Lô Borges / Beto Guedes) https://www.youtube.com/watch?v=hdi8LLGyXWo

Bicho do Dia: Galo (9252)

domingo, 30 de março de 2014

89º Dia: Queimando a Língua

                  Existem pessoas que tem a língua tão grande que poderiam ser autossustentáveis, pois se quisessem poderiam alimentar-se da própria língua, fazendo três reforçadas refeições diárias com direito a lanchinho por toda a sua linguaruda existência. É língua pra mais de metro! Tá cheio desses tipos por aí: tiazinhas de janela, revistas de fofocas, os falsos amigos que inventam história só pra maldizer us irmão e tantos outros espécimes. O ditado diz que “Deus tá vendo”. Não sei. Mas podem ter certeza que eu estou ouvindo e ouço coisas para as quais se encaixa o dito “melhor ouvir isso que ser surdo”. A criatura vem com uns papinho de groselha, conversinha pra boi dormir, papo furado e vai destilando seu veneno de bote mixo. Eu tenho o antídoto pra esse tipo de ofídio e posso passar para vocês, humanos. Não dê bom dia a cavalo. Não dar trela para a insignificância dessa raça. É isso: ignore-os. Eles não suportam e acabam falando demais do que demais e autoinoculam seu veneno. Portanto, o título já diz tudo e é exatamente isso que acontece com us x-9, vacilão, traíra, alcaguete, boca de vento, língua solta, papo de macaco e fofoqueiros de plantão: queimam a língua. Como cantaram Nego Dito e Geraldo Filme: vai cuidar da sua vida / diz o dito popular / quem cuida da vida alheia / da sua não pode cuidar. Ou como cantou Bezerra, outro sábio do Samba: fofoca pra mulher é feio / pra barbado é pior, podes crer.

Música do Dia: Deixa pra Lá (Cartola e Leci Brandão)
Bicho do Dia: Onça (aquela do Serjão Berranteiro)

Filme da Semana: Uma Cilada para Roger Rabbit (Direção: Robert Zemeckis)

sexta-feira, 28 de março de 2014

88° Dia: Si, Si, No, No

                  Minhas aulas de espanhol me dizem que a tradução para o português é: ”sim, sim, não, não”. Diariamente, a vida interroga vocês, humanos, e exige uma reposta afirmativa ou negativa. E lá vão vocês de sins e de nãos, tocando em frente. “Talvez” também é uma possibilidade, mas é melhor não exagerar na dúvida. Tá bom, eu sei que a dúvida é a mãe da sabedoria, mas não é o caso. Quem dera pudessem ter um “sim” como resposta para todas as perguntas. Mas sempre tem alguém que abusa dos sins dos outros e com o tempo se aprende a dizer “não”.  Em dados momentos as pessoa dizem sins e nãos pra coisas que deveriam dizer nãos e sins. Como aqueles programas de TV onde o sujeito fica dentro de uma cabine a prova de som e o apresentador pergunta: “Troca um chinelo velho por um carro zero?”. O sujeito responde: NÃO! A plateia, que ouviu a pergunta e a resposta, caga de rir e o sujeito fica lá dentro da cabine sem nem imaginar que vai pra casa de chinelo velho. Alguns de vocês, humanos, fazem isso. Fingem estar dentro de uma cabine a prova de som e respondem “não” para perguntas que deveriam dizer “sim” e “sim” para as que deveriam responder “não”. Só que como a plateia do programa de auditório, sabem muito bem qual foi a pergunta que lhes foi feita e qual foi a resposta que deram e quem fica com cara de idiota é o inocente do perguntador. Talvez seja hora de dizer um “sim” para esses malandrinhos que insistem em chamar os meus serviços. Pensando bem, melhor ficar aqui cuidando do meu blog. Ou não.


Música do Dia: Queimando a Língua (Juçara Marçal) (Rômulo Fróes / Alice Coutinho)
https://www.youtube.com/watch?v=xJXFXn8WiOo 
Bicho do Dia: Cobra (7033)

87º Dia: Coração Materno

                  O poeta falou certa feita que ser mãe é padecer no paraíso. Eu posso dizer com toda propriedade que o dito confere. Quando eu bato na porta dos filhos, eles sempre vêm atender com as mães os segurando pela mão. Dói mais nelas que neles. Em tempos como esse é de se pensar muito antes de ter filhos. Pensar antes, pois espermatozoides e óvulos, até onde eu sei, não pensam, agem por instinto. Mas eu não to aqui pra dar lições de moral, meu ofício é cobrar depois e eu cobro mesmo. Gostaria muito de ter uma mãe, pois quando vejo os filhos exaltando suas mães e as mães fazendo comidinhas, bolinhos, dando colinhos e outros mimos para os filhos, sinto uma certa inveja. Respeito muito às mães, pois acho que são os seres humanos para os quais mais eu me apresento. Ser mãe não é fácil. Não é fácil nem para as mães que deixam seus filhos recém-nascidos em cestas nas portas dos outros. Lembro-me de uma frase marcante de uma mãe que resume todo o sentimento de preocupação de quem não pode proteger seu rebento depois que ele cresce e ganha o mundo. Foi proferida dentro de um carro na cidade de Cachoeira do Sul. A mãe da história é a mãe do Sandro Dornelles e foi ele mesmo que fez a pobre mãe proferir tal frase. Sandro morava então na capital gaúcha e naquele fim de semana tinha a ido para o interior dar uma notícia aos seus pais. Primeiro falaria com a mãe, pra ela ajudar a preparar o terreno pra falar com o pai, que seria jogo mais duro.  Dentro do carro, indo visitar uma tia, a mãe dirigindo e ele no banco do carona. Antes do diálogo é bom lembrar que Sandro, embora já morasse na capital, estava de certa forma perto da família.  Dentre os quatro filhos, o então jovem artista Sandro era a preocupação maior da mãe, visto que era dado a boêmia profunda, regada a jogos de azar, bebidas, cigarros e outras coisas que só a noite sabe oferecer de bandeja. Voltemos ao dialogo. Sandro proferiu:
- Mãe, preciso te dizer uma coisa.
Mãe:
- Fala filho:                                                                                     
Sandro:
- Vou me mudar pro Rio de Janeiro daqui 6 meses.
Mãe, sem tirar os olhos da estrada e sem mexer um músculo:
- Ai...
O filho da puta do Sandro (como todo respeito à senhora sua mãe) teve vontade de rir, mas ao mesmo tempo teve pena, pois aquele suspiroso “ai...” saído da boca de sua mãezinha parecia ser o suspiro uníssono da aflição de todas as mães do mundo.

Música do Dia: Si, Si, No, No (João Bosco)

Bicho do Dia: Cachorro (9720) 

quinta-feira, 27 de março de 2014

86° Dia: Eita

                  Fiquei pensando numa frase, numa imagem, numa cena, enfim, em alguma coisa que merecesse um sonoro “eita!”. E cá estou escrevendo e nada de algo que provoque um “eita!”. Lembrei-me de um menininho de dois anos de idade da Indonésia que fumava quarenta cigarros por dia. Mesmo assim não me veio o tal “eita”, notícia velha e a esperança que ele tenha largado o vício. Pensei em formular uma frase com trocentos palavrões, os que existem e outros que inventasse, mas o Sargento Getúlio do Ubaldo já o fez com maestria. Percorro a memória, o youtube, o Google, o dicionário e nada. Banheiros públicos, nada. Sessão plenária, de umbanda, da tarde, de descarrego, com o psicólogo, nada. Fui até o oráculo, nada. Becos escuros, casas mal-assombradas, nada. Cadê algo digno eu um “Eita!”? Tentei imaginar o que sentem as bolas fechadas a vácuo na calça de algum cantor sertanejo, nada. A única coisa que consegui foi me sentir um daqueles sujeitos que o capitão Nascimento põe no saco. É, estava realmente ficando complicado. Eis que, como sempre, na biblioteca descubro o porquê de procura tão frustrante. Salve o poeta romano Públio Terêncio, (o punidor de si mesmo, ah, se todos fossem assim...) que em 185 a.C já tinha a resposta: embora não seja um de vocês, nada do que é humano me é estranho. Então lá vai: EITA, PORRA!!

Música do Dia: Coração Materno (Vicente Celestino) (essa letra também merece um Eita!) http://www.youtube.com/watch?v=LpS-c2pq-Aw

Bicho do Dia: Cabra (5521).

quarta-feira, 26 de março de 2014

85º Dia: Beradêro

                  Tive que consultar meus alfarrábios de amansar burro e ver o significado de Beradêro (beradeiro). E pelo jeito o word não se deu ao trabalho, visto que já tá me corrigindo. Enfim, vi, mas não vou falar o significado. Adivinhem vocês e, sem procurar no dicionário, marquem a alternativa correta:
a) ( ) Homem que berra muito.
b) ( ) Os que, por terem medo de água, só ficam molhando os pés na beirinha de mares, lagos e rios.
c) ( ) Pessoa que sempre que é chamada fala “pera aí” e troca o “p” pelo “b”.
d) ( ) Os que gostam de dormir bem na beirada da cama.
e) ( ) Pássaro que faz ninhos nos paredões dos penhascos.
f) ( ) Nome de um dos amigos do Manuel de Barros, filho do Manuelzão.
g) ( ) Mineirinho manhoso que sabiamente vai devagar, contorna as coisas difíceis, comendo pelas beiradas.
f) ( ) Cachorro farejador.
h) ( ) Uma espécie de penico ao lado do catre de moribundos.
i) ( ) Ser aquático fantástico que saiu de Atlântida para procurar Nemo e acabou como figurante em As Viagens de Chihiro.
j) ( ) Todas as alternativas estão erradas, exceto as portadoras de licença poética.

Música do Dia: Eita (Gisele de Santi, do disco “Vermelhos e Demais Matizes”)

Bicho do Dia: Águia (8505)

terça-feira, 25 de março de 2014

84º Dia: Cabelo no Pão Careca

                  Um dos ofícios do meu antigo hospedeiro, Sandro Dornelles, é fazer pães. Quando vendia seus pães nas Rodas de Samba do Rio ele adorava cantar essa música “Cabelo no pão careca”. Uma propaganda não muito boa para o produto que vendia. Mas, convenhamos, a música é muito boa, nunca ninguém reclamou de cabelo nos pães e ele até que os vendia muito bem. Biografias a parte, vamos tratar das surpresas não muito agradáveis que a vida nos oferece, e que, por não serem agradáveis, nem sei se merecem serem chamadas de surpresa. Imagina se existisse o kinder ovo podre com surpresa? Ninguém compraria. Tipo achar um cabelo num pão careca, surpresa desnecessária. Tem também a mulher com surpresa, que para alguns é surpresa mesmo, outros fingem estarem surpresos quando veem a “surpresa”. Tem as surpresas que saltam da sua cama ou do seu armário, correm e pulam a janela quando você chega em casa de surpresa. E quando o namorado chega com a outra em casa e vê que sua namorada lhe preparou uma festa surpresa, a surpresa é de quem? Tem o balão surpresa de aniversário, que se estiver cheio de cocô, passaria do nível adjetivo de surpresa mega desagradável para maldade mesmo.  Tem o vento com surpresa, também conhecido como bufa. E quantos restaurantes já não nos presentearam com insetos surpresa? E quem não se surpreende quando abra um jornal ou uma revista e vê que aquele jornalista escroto e idiota continua escrevendo? E o que nos surpreende é que ninguém se dá conta que o tal jornal ou revista, por ter tal jornalista, é também idiota e escroto. Tem a surpresa dos preconceituosos quando entendem a capacidade das pessoas com as quais tem preconceito. E existem muitas outras surpresas desagradáveis, mas paremos porque aqui, pois já falei tantas vezes a palavra surpresa neste texto, que não me surpreende que vocês já estejam enjoados de surpresas. Gostaria de finalizar dizendo que só o fato de acordarmos todo dia pra vida já é uma grande surpresa, uma promessa de possibilidades, principalmente se você acordar com uma puta DOR de cabeça e ver que tem alguém na sua cama que você nem imagina quem seja.

Música do Dia: Beradêro (Chico César)

Bicho do Dia: Todos aqueles bichos em relevo que habitavam o chocolate cujo nome era Surpresa e que você só descobria que bicho era quando tirava o papel laminado. Alguém lembra?

segunda-feira, 24 de março de 2014

83º Dia: Todas Elas Juntas Num Só Ser


                  Tem dias em que as dificuldades, chatices, burocras, encheções de saco e demais coisas dessa ordem vem todas elas juntas e acabam, de tão inoportunas que são, parecendo um ser dependurado em sua pessoa. Nessas horas até me compadeço da vida de vocês, humanos. Tem que se ter um pouco mais de paciência. Se bem que pouco é pouco, há de se ter um caminhão, um comboio de paciência, quando dias assim acontecem. Parece que não vai ter fim. É celular com voz de ator famoso gravada pra te vender alguma merda de plano de operadora. É gente batendo no seu portão pra te converter pra alguma porra de religião. É uma caralha de um documento que faltou pra que o documento que libera o outro documento seja liberado. É neguinho que, como se não bastasse tá com uma puta música alta do caralho em seu ouvido no busão, bate na sua mão e derruba as moedas que você tinha contado para pagar a viagem . É chave da casa que fica dentro da outra casa e você fica preso dentro do lado de fora da sua casa. É caminhão de gás, de água, de pamonha e de churros estacionado na frente de sua casa numa competição de qual propaganda é mais alta e mais irritante. É o último pão com a última porção de requeijão que cai virado pra baixo em cima do montinho de sujeira que você tinha varrido. É a internet que cai e não levanta. É você achar a maldita chave e ela cair no ralo. É o mundo todo conta uma pessoa só. Sinceramente todos estes exemplos que dei nem são tão chatos assim, salvo se você já acorda de mau humor, né Sandro Dornelles? Hoje o texto foi baseado nos acontecimentos do dia deste compositor. Os palavrões são dele. Agora mesmo ele está me maldizendo, amaldiçoando eu e a minha quinta geração, pois logo depois de queimar a mão no fogão, deu com o dedinho do pé na quina da mesa. Como vi num filme ontem, existem dois tipos de DOR: a útil, que serve para que a pessoa evolua e aquela que não serve pra nada, pois a pessoa não sabe tirar proveito dela. Ou seja, eu sou sempre útil, a inutilidade da DOR vem de vocês, humanos. Então, Sandro: NÃO ENCHE A PORRA DO MEU SACO! Viu só o que faz a convivência?

Música do Dia: Cabelo No Pão Careca (Zeca Pagodinho) (De: Barbeirinho do Jacarezinho / Rodi do Jacarezinho).
Bicho do Dia: Jacaré (1058).

domingo, 23 de março de 2014

82º Dia: Iracema

                  Iracema, a índia dos lábios de mel e uma das personagens da formação da identidade brasileira. Um anagrama de América. A Iracema de todos nós. Iracema símbolo da união das raças, mãe da primeira miscigenação, da natureza, da inocência. A inocência da Iracema do Adoniran que morre atropelada na cidade grande e Iracema já nem tão inocente do Chico Buarque que se vira no estrangeiro. Iracemas que viram Cecis, que viram Carolinas Moreninhas, que viram Capitus, que viram Anas Terras, que viram Emílias, que viram Gabrielas, que viram Anas Claras, Lias e Lorenas, que viram Anas de Lavouras Arcaicas, que viram Tias Zulmiras, que viram Hildas Furacão, que viram Velinhas de Taubaté, que viram Diadorins, que viram as Damas do Lotação, que viram Macabeas, que viram as mulheres todas da música do Dia, e que, por fim, viram nossa cabeça. Mulheres que não querem virar nada além do que são em sua luta, em sua busca, em seu tesão, em sua independência, em sua totalidade e não querem ter que se transformar em outra para agradar um macho inseguro.
Desconfio que devo ter sido mulher em outra encadernação.

Música do Dia: Todas Elas juntas num só ser (Lenine) (De: Lenine / Carlos Rennó).
Bicho Dia: Louva-deus (quem come e quem é comido?).

Filme da Semana: Bonitinha, mas Ordinária (Direção: Braz Chediak. Baseado na obra de Nelson Rodrigues). 

sábado, 22 de março de 2014

81º Dia: Edifícios Residenciais

                  Pois é, os prédios hoje aparecem do nada. Você passa na rua num dia e vê um terreno baldio, no outro já tem um arranha-céu com porteiro e um garagem com aquela sirene chata que faz parar teu caminhar na calçada para que um carro saia e ganhe a rua. Incrível. Parece que e prédio tava ali invisível e que num passe de mágica tornou-se visível. Só que quando se vê os preços dos imóveis e dos aluguéis em cidades levantadoras de edifícios como Rio de Janeiro e São Paulo, cria-se um paradoxo: acho que até tem gente pra morar nesse tanto de prédio, mas será que tem tanta gente assim com grana pra morar nesse tanto de prédio? Não creio, não. É uma puta grana que se deixa por mês por uns míseros metros quadrados com vista para sovaco do vizinho do edifício da frente com uma trilha sonora de arrotos, peidos e cusparadas do vizinho do lado, visto que as paredes divisórias tem alma de compensado, embora pareçam outra coisa. A euforia dos cambistas com ingressos para partidas de futebol é equivalente a dos especuladores imobiliários com seus apartamentos e prédios. Eles têm o poder de impor o chamado preço artificial para os seu bens. Enquanto isso, os bem menos abastados vão se apropriando dos terrenos abandonados das prefeituras para construírem suas casas e terem o mínimo de dignidade para viverem. Na vida real alguns desses lugares “pegam fogo”, são destruídos sob os protestos dos moradores que são expulsos pela polícia ou por alguma devastadora força da natureza. Na literatura temos a invasão do Morro do Mata Gato em “Os Pastores da Noite” de Jorge Amado; em Macondo a compra de terras baratas para a construção de redes hoteleiras para turistas, expulsou e deixou sem terra, sem trabalho e sem dignidade os moradores da cidade fictícia de Gabriel Garcia Marques, que viraram carne de subemprego e depois viraram carne de bala de armas de fogo no maior massacre de grevistas da Literatura mundial escrito em “Cem Anos de Solidão”. Ah, DOR vai dar uma de defensora dos fracos e dos oprimidos? Esbravejam os raivosos. Não, só não sou cega. E o mais impressionante é que, tanto na vida real quanto na vida ficcional, a música cantada por todos que são o lado mais fraco do cabo de guerra das moradias é a mesma, composta pelo amigo do Hevê Cordovil, do Joca e do Mato Grosso. “Não reclama, porque a chuva só levou a tua cama...”. Metáfora ótima para os saem “com uma mão atrás e outra na frente” e vão levantar outra maloca em outro lugar. Viu, Sandro Dornelles? Eu também tenho meus momentos de ira para com imobiliárias e afins. Sinta-se homenageado.

Música do Dia: Iracema (Adoniran Barbosa) https://www.youtube.com/watch?v=wtP3dTexAbE&feature=kp

Bicho do Dia: Abutre (O vilão do Homem Aranha ou aquele da foto que espera o menininho morrer de fome no Sudão e que levou o fotógrafo ao suicídio). http://www.jn.pt/PaginaInicial/Media/Interior.aspx?content_id=1789058&page=-1

sexta-feira, 21 de março de 2014

80º Dia: Não Tenho Medo da Morte

                   Não tenho mesmo. Ela corta meu barato ali e me leva para as lágrimas das pessoas que perderam um ente querido aqui. Ou seja, temos, eu e a morte, uma relação tranquila. E vocês, humanos, têm também? Lembro de uma frase que dizia “Tu não tem medo da morte, meu?”. Era o que alguém dizia quando era provocado por outro. Ou o que alguém dizia quando um outro queria fazer uma coisa perigosa. Uma frase como essa dá a entender que vocês tem medo da morte. Não é pra menos. É muito misteriosa essa história do pós-mortem. Pra onde se vai? Vai-se mesmo pra algum lugar? Dói? Clareia? Escurece? Muitas questões até hoje sem resposta. Nem a mim foi dado o direito de conhecer o que vem depois de se bater a caçoleta. Engraçados os nomes e expressões que se dão pra morte ou pra alguém que morreu: bateu as botas, passou dessa pra melhor, foi falar com o Criador... Ou para os quase mortos: tá na boca do corvo, na capa da gaita, com um pé na cova e outro no sabonete, no vai não vai. Ou as frases filosóficas sobre a morte: até quem é vivo tá morrendo, a morte lhe sorriu e pra morrer basta tá vivo. Eu diria que pra morrer basta tá Vivo ou TIM, ou Oi, ou Claro ou qualquer outra operadora, o sinal sempre morre quando você mais precisa dele. E tem coisa que nem foi feita pra morrer e dizem que tá morrendo: o livro, a canção, o respeito, a boa educação. Gente, essas coisas não morrem, o problema é que tem um bando cada vez maior de imbecil que não sabe o que são essas coisas. A morte é um assunto que dá pano pra manga, tanto dá que eu tô aqui até agora enchendo linguiça e vocês queridos e amados leitores ainda não tiraram os olhos do texto. Sinal que minha moral de escritora está viva. Mas hoje a minha inspiração está respirando por aparelhos. Fui!

Música do Dia: Edifícios Residenciais (Rafa Barreto, do disco “Ordem Aleatória”.). https://www.youtube.com/watch?v=MCxaueVvdfU

Bicho do Dia: A Ave do Bom Agouro (Aquela cujo o pio quando traduzido diz “Sai de mim força estranha!”).

quinta-feira, 20 de março de 2014

79º Dia: Cruel

                  Dizem as más línguas que uma das minhas características mais perversas é ser cruel. Não é verdade. A crueldade é mais uma das minhas amas de leite. Ela me dá de beber e eu tenho sede. Ponto. Cruéis são vocês, humanos, com vocês mesmos. Cruéis são as coisas do mundo. Eu chego sempre depois e bebo o leite quentinho. Ou frio, se for uma crueldade maquiavelicamente planejada e requintada. De qualquer forma, eu chego e bebo, pois já falei, eu tenho sede.  Portanto, não sou eu cruel e muito menos o pobre gato do Gargamel. Cruel é o mundo na forma em que vai. E indo ele assim, sigo eu atrás. Mantenham a crueldade e manterão forte, bem amamentado, o meu lado mais mortífero. Simples. Pois eu, como vocês, humanos, não gosto nem um pouco de parar de mamar numa teta.

Música do Dia: Não Tenho Medo da Morte (Gilberto Gil) (Uma homenagem ao colaborador do Dia, Paulo Monarco).

Bicho do Dia: Elefante (2543)

quarta-feira, 19 de março de 2014

78° Dia: A saber o Sabor

                  Quase viro abóbora, mas cheguei a tempo. 
Parece, quando vejo alguns comentários, curtidas, likes e coisas do gênero nas redes sociais, que vocês, humanos, gostam de qualquer merda sem nem ao menos saber o sabor. É como se fosse o inverso de uma criança que diz “eu não gosto” sem nunca ter comido o que lhe é oferecido, vocês dizem “eu gosto” sem nem imaginar o gosto da coisa. Eu tenho visto de tudo ultimamente. Dia desses, eu defendi as marchinhas (até compus uma) e as marchas de toda ordem. Pensei que não veria nada mais absurdo que o rei do gado voltando a comer carne, o que também foi tema de um texto meu em parceria com minha amiga culpa no sábado último. Mas o que vi agora a pouco me fez cair o cu da bunda. Um rapaz de óculos escuros falando sobre uma marcha em defesa da família, de deus e do sei lá mais o quê, que eu pensava ser um personagem desses programas ruins de humor, está sendo levado a sério por um monte de gente. Fui consultar os alfarrábios da história e vi que sim, lunáticos podem comandar milhões de pessoas para cometerem atrocidades, assaltos, guerras e até suicídio coletivo. Minha pesquisa sobre Marchas me levou aos manifestos. Teve uma época em que tudo que se fazia acabava virando manifesto. Manifesto disso, manifesto daquilo. Acabou que os manifestos perderam o sentido de ser. Tipo o roqueiro lobo mau, que criticava as propagandas de iogurte que diziam que tomar uma atitude era tomar dan’up, e hoje virou caricatura dele mesmo e tudo que ele critica parece piada de mau gosto. Mas deixemos os lobos maus, os três porquinhos e os contos da carochinha pra lá. Voltemos ao homem de óculos escuros e sua marcha da TFP tardia. Meu querido, porque você não vem falar comigo? Tenho tantas coisas pra dizer no seu ouvidinho. Coisas que os que foram torturados falaram pra mim, para não abrir o bico para os torturadores. Coisas que os filhos órfãos dos desaparecidos choraram pra mim. Coisas que as mães dos assassinados me suplicaram até o último suspiro de vida por não acreditar no sumiço que deram nos seus filhos. Coisas do arco da velha, meu caro. Ainda dá tempo. Prometo não chegar de alicates e agulhas embaixo de sua unha, nem de eletrochoques, muito menos de afogamentos, espancamentos ou cabos de vassoura no seu ânus. Tire seus óculos escuros e deixe rolar suas lágrimas de arrependimento, eu prometo ser sutil. Ou volte para o lugar de onde nunca deveria ter saído: esses programas de humor que pelo baixo nível de qualidade beiram a tristeza.

Música do Dia: Cruel (Luiz Melodia e Escola de Música da Rocinha) (De: Sérgio Sampaio).

Bicho do Dia: Os Lobos da Marteleti (Uma homenagem ao amigo dos óio de cão danado).

terça-feira, 18 de março de 2014

77º Dia: Muito Estranho



                    Muito estranho, uma vez era possível tomar um litro de um refrigerante famoso entre seis familiares e um cachorro num almoço de domingo. Hoje, duas garrafas pet de 5 litros cada, acabam antes da primeira garfada dada pelo primeiro membro da família na mesa dominical. A água com que se faz o arroz e com que se fervem as batatas foi substituída pela tal água preta com bolinhas. Ela é usada pra regar as plantas também. E para desentupir pia. Tal tem sido sua eficácia em desfazer as gorduras dos canos da cozinha, que o Diabo Verde está quase indo à falência. Muito estranho. A bebida da fórmula secreta, quando fervida repetidas vezes, vira uma graxa ótima pra sapatos. O mundo do crime também usa o miraculoso líquido para desintegrar os corpos mortos dos desafetos em barris especiais (veja a série Breaking Bad). A fórmula desse refrigerante deve ter sido inventada por uma espécie de deus. As garrafas de plástico da bebida negra se encontram anualmente no chamado “mar de plástico” em águas remotas localizadas entre a Califórnia e o Havaí. O grande escritor argentino Jorge Luís Borges escreveu um conto até hoje misteriosamente escondido a sete chaves onde contaria a história da criação da pasta inicial do produto, onde seis inventores-magos-druídas, vindos de diversos cantos do mundo, teriam se encontrado numa ilha vulcânica num ponto cego do Oceano Índico. A ilha e os seis indivíduos nunca foram encontrados. Apenas umas escrituras numa língua muito estranha, que dentre tantas interpretações que possibilitam, uma delas foi virar o roteiro do filme “A bruxa de Blair”. Muito estranho também, e sem nenhuma explicação científica até agora, é o fato de roedores gostarem tanto de fazer ninhos em garrafas amnioticamente cheias de tais refrigerantes e de limões se atirarem diariamente fatiados em rodelas para se suicidarem dentro de copos com gelo da borbulhante poção. Estranho, muito estranho...

Música do Dia: A saber o sabor (Paulo Monarco) (De: P. Monarco / Alisson Menezes). https://soundcloud.com/paulomonarco/a-saber-o-sabor
Bicho do dia: Cruz-Credo.

segunda-feira, 17 de março de 2014

76º Dia: Mãe Véia

                 Reza a lenda que numa certa feita em uma incerta deslocalidade do mundo, havia uma mulher que já estava grávida há mais de 15 anos. Um mistério que intrigava a todos da tal deslocalidade. Que feitiço teriam feito à pobre mulher pra andar barriguda há tanto tempo? O bebê no ventre da mulher já havia crescido e já falava fluentemente de dentro do seu útero-casa para todos os curiosos que vinham conhecer tão peculiar história. Começaram a se formar filas enormes no portão da residência da mulher eternamente grávida, - era essa agora a alcunha da quase mãe – porque a criança crescida na barriga da mulher começou a fazer previsões e a dar conselhos de muita sapiência aos visitantes que vinham de todos os lugares do mundo se consultar com a pessoa uterina. Passaram-se anos. A mulher foi envelhecendo e a pessoa dentro dela também. Chegou a época que eram duas pessoas idosas num corpo só. O mundo seguia curioso e abismado com o caso. A quase mãe mulher eternamente grávida morreu. Ao mesmo tempo em que a pessoa que estava em seu ventre fazia o seu próprio parto. E todos viram sair do corpo da falecida mãe, uma senhorinha pequena, de cabelos brancos, que ficou chorando durante dias as lágrimas de sua não-infância, misturada ao líquido amniótico do parto normal que não teve. A senhorinha ficou conhecida, em homenagem a sua mãezinha morta, de Mãe Véia, a padroeira das parteiras. Como pode isso? Vocês me perguntam incrédulos. Eu respondo suassunicamente: não sei, só sei que foi assim. Digamos que hoje eu tenha acordado simplesmente fabulosa.

Música do Dia: Muito Estranho (Dalton) (Essa música mexe com meus instintos mais primitivos). 
Bicho do Dia: Perry, O Ornitorrinco.