Naquele tempo já não existiam
mais trombetas, nem harpas, nem raios de luz vindo dos céus para salvar ou
fulminar as criaturas, nem salvação, nem condenação, estávamos, ironia do
destino, ao deus dará. As notícias não chegavam, elas se auto destruíam.
Ficávamos sem saber de nada e ninguém sabia nada da gente também.
Apedrejamentos e bombas já não surtiam mais efeito. A morte estava quase indo
embora, velhinha com sua foice servindo de cajado e seu capuz para esconder seu
vergonhoso sorriso cadavérico. A coisa ia indo assim, para lugar nenhum.
Falavam em um mensageiro que surgiria num blog, ou numa cafeteria, ou num
engarrafamento numa autoestrada do sul, ou num iglu esquimó, ou numa foto de um
desaparecido numa caixinha de leite, ou na puta que o pariu. Mas já era raro o
nascimento de Messias e de filhos da puta. O céu havia ficado transparente, o
que causava um total não entendimento quando se olhava para cima. O chão estava
hibernando há séculos. A lua escalava o Everest todo dia, mas quando quase no
topo descia rolando e tinha que recomeçar a subida no outro dia, sempre cheia.
O sol ainda era o sol, só que um pouco mais pra direita. Os mares secavam do
nada e reapareciam em lugares diversos, como aquários, vasos sanitários, pneus
velhos e bolinhas de sabão. Enquanto o mar estava desaparecido, as pessoas
corriam para tentar chegar a outras cidades, países, continentes, mas nunca
dava tempo, o mar sempre voltava antes. A terra prometida estava cansada de
esperar. As cadeiras de balanço passaram a ter enjoos e as gentes já falavam em
aborto. As coisas estavam nesse pé. Não se escreviam e nem se queimavam mais
livros. Só os cegos conseguiam escutar música. A polícia foi chamada várias
vezes e os políticos tramavam atitudes mais drásticas. Os médicos só podiam
atender pessoas que não falassem a mesma língua deles. Os dinossauros voltaram,
mas foram novamente dizimados, morriam como moscas, ninguém entendia o porquê.
As moscas se reproduziam como coelhos e os coelhos eram vendidos a preço de
banana. Os quintais ficavam na sala e podia se tomar o desjejum ao som dos
passarinhos empalhados, muito parecido com o que acontecia há muito tempo antes
disso tudo em pousadas do interior. O capital era o que tivesse sobrando, quase
como foi há muito tempo antes disso tudo acontecer.
Ainda hoje falam, à boca
pequena, que num longínquo tempo antes do mundo ser como naquele tempo em que
já não existiam mais trombetas, nem harpas, nem raios de luz vindo dos céus
para salvar ou fulminar as criaturas, a Irmandade dos Tecnobregas, que ficava
na cidade onde provavelmente nasceria o escolhido, já entoava um cântico, em
que uma das estrofes, numa inversão sintático-premonitória, era mais ou menos
esse:
"Os carteiros ainda trarão a boa nova
Em seus uniformes caquis-celestes.
A coisa só ficará desse jeito
Enquanto o anjo não chega”.