Novas Histórias

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Foto de Ju Vinagre

domingo, 15 de dezembro de 2013

Enquanto o anjo não chega

                  Naquele tempo já não existiam mais trombetas, nem harpas, nem raios de luz vindo dos céus para salvar ou fulminar as criaturas, nem salvação, nem condenação, estávamos, ironia do destino, ao deus dará. As notícias não chegavam, elas se auto destruíam. Ficávamos sem saber de nada e ninguém sabia nada da gente também. Apedrejamentos e bombas já não surtiam mais efeito. A morte estava quase indo embora, velhinha com sua foice servindo de cajado e seu capuz para esconder seu vergonhoso sorriso cadavérico. A coisa ia indo assim, para lugar nenhum. Falavam em um mensageiro que surgiria num blog, ou numa cafeteria, ou num engarrafamento numa autoestrada do sul, ou num iglu esquimó, ou numa foto de um desaparecido numa caixinha de leite, ou na puta que o pariu. Mas já era raro o nascimento de Messias e de filhos da puta. O céu havia ficado transparente, o que causava um total não entendimento quando se olhava para cima. O chão estava hibernando há séculos. A lua escalava o Everest todo dia, mas quando quase no topo descia rolando e tinha que recomeçar a subida no outro dia, sempre cheia. O sol ainda era o sol, só que um pouco mais pra direita. Os mares secavam do nada e reapareciam em lugares diversos, como aquários, vasos sanitários, pneus velhos e bolinhas de sabão. Enquanto o mar estava desaparecido, as pessoas corriam para tentar chegar a outras cidades, países, continentes, mas nunca dava tempo, o mar sempre voltava antes. A terra prometida estava cansada de esperar. As cadeiras de balanço passaram a ter enjoos e as gentes já falavam em aborto. As coisas estavam nesse pé. Não se escreviam e nem se queimavam mais livros. Só os cegos conseguiam escutar música. A polícia foi chamada várias vezes e os políticos tramavam atitudes mais drásticas. Os médicos só podiam atender pessoas que não falassem a mesma língua deles. Os dinossauros voltaram, mas foram novamente dizimados, morriam como moscas, ninguém entendia o porquê. As moscas se reproduziam como coelhos e os coelhos eram vendidos a preço de banana. Os quintais ficavam na sala e podia se tomar o desjejum ao som dos passarinhos empalhados, muito parecido com o que acontecia há muito tempo antes disso tudo em pousadas do interior. O capital era o que tivesse sobrando, quase como foi há muito tempo antes disso tudo acontecer.
                   Ainda hoje falam, à boca pequena, que num longínquo tempo antes do mundo ser como naquele tempo em que já não existiam mais trombetas, nem harpas, nem raios de luz vindo dos céus para salvar ou fulminar as criaturas, a Irmandade dos Tecnobregas, que ficava na cidade onde provavelmente nasceria o escolhido, já entoava um cântico, em que uma das estrofes, numa inversão sintático-premonitória, era mais ou menos esse:
"Os carteiros ainda trarão a boa nova 
Em seus uniformes caquis-celestes.
A coisa só ficará desse jeito
Enquanto o anjo não chega”.