Novas Histórias

Novas Histórias
Foto de Ju Vinagre

domingo, 30 de novembro de 2014

334º Dia: Bicho Solto


                Nasceu com destino de mundo. Jamais fincou raízes. Cedo já saiu de casa. Tarde era quando não saía de um lugar para outro. Viajou ao redor do mundo até o mundo ficar do tamanho de uma ervilha. Até que chegou o dia onde não tinha mais pra onde ir. Virou astronauta. Foi pro espaço. Queria ganhar a ganhar a galáxia. Conseguiu. Queria mais. Mais distâncias, mais velocidades, queria cumprir sua sina de bicho solto. Numa nave-cápsula-espacial foi pelo universo a fora. Até que, por fim, descansou no útero de sua mãe. Quando ela deu a luz estava na cara que aquele menino iria dar trabalho.

Música do Dia: Mar de Saudade (Caio Martinez). (De: Caio Martinez e Djâmen Farias).

Bicho do Dia: Águia (1406).

sábado, 29 de novembro de 2014

333º Dia: Sex Machine (Máquina de Sexo).


                Começaram a vender máquinas de fazer sexo pela internet. Todos os tipos de sexo que se imaginava. Foi um sucesso estrondoso. Até chegar o dia em que cada cidadão e cada cidadã tinham sua. As pessoas vivam felizes, pois as máquinas tinham muitas habilidades. Entretanto, as pessoas começaram a não transar mais entre elas. Foi então que depois de tempos se acabou a humanidade. As máquinas de sexo não tinham mais utilidade nenhuma e de tanto ficarem paradas enferrujaram e se acabaram sozinhas num mundo largado às traças. Deus resolveu experimentar a única que ainda funcionava. Não achou a menor graça e a destruiu.  Quando dormiu a noite sonhou com Jesus e começou a repovoar a terra e já tramava um jeito de não deixar vingar o desgraçado que inventaria a maldita máquina de sexo. Séculos depois riu a beça quando sua nova humanidade enriqueceu o inventor das bonecas infláveis.

Música do Dia: Bicho Solto (Bira Cunha). (Uma homenagem ao colaborador do Dia, Fernando Falcão).

Bicho do Dia: Touro (0482).

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

332º Dia: Tupitech


                  Poeminho velho pro novo mundinho:

Em tempos de alta tecnologia
Quem tem um olho mágico
É rei sem serventia
Fofoca na janela
Da internet da vizinha
Mente descarado
Que não vê pornografia
E paga seus pecados
Tuitando bobaginha.


Música do Dia: Sex Machine (James Brown).

Bicho do Dia: Touro (5683).

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

331º Dia: Lenda


                  Reza a lenda, que as lendas são histórias fantasiosas misturadas com fatos verídicos. Essa mistura de real e fantasia é que faz com elas perdurem através dos tempos nas bocas e memórias dos contadores de histórias e dos ouvintes. Pejorativamente, relacionam lenda a coisas desacreditadas, promessas que nunca acontecerão. Tipo, ah, virou lenda.  Enfim, as lendas fazem parte da vida das gentes desde que se escreveu na primeira parede de caverna. Quanto a mim, tenho grande débito com elas, pois tenho me proposto a cria-las, ou pelo menos recria-las, aqui neste blog. Se me pedissem para dar uma definição do que seria uma lenda, eu diria, no meu paralelo entendimento, que ela é o gênero feminino correspondente ao gerúndio do verbo ler, pois quem está lendo também está lenda.

Música do Dia: Tupitech (Celso Sim). (De: C. Sim / Xico Sá / Pepe da Mata Machado).

Bicho do Dia: Cobra (0633).

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

330º Dia: Paraquedas


                As leis da física não tratam do caso que irei narra a seguir. O corpo foi jogado do avião de uma altura muito grande, mas sua aceleração de queda não foi de 9,8 m/s. O corpo simplesmente resolveu planar. Quando o corpo caiu levemente no solo, pegaram ele, decolaram o avião e o jogaram de novo lá de cima. Mais uma vez uma ele planou e chegou intacto ao solo. Repetidas vezes fizeram isso de jogar o corpo lá de cima. Depois de muita insistência e nenhuma espatifação no solo, examinaram o corpo e descobriram que ele estava morto há dias. Estudos revelaram que alma tinha trocado de lugar com o corpo. Quando jogavam a corpo, estavam na verdade jogando a alma. Quando exumaram o caixão viram que a alma já estava em avançada putrefação.

Música do Dia: Lenda (Céu)

Bicho do Dia: Carneiro (7528).

terça-feira, 25 de novembro de 2014

329º Dia: Guarde nos Olhos


                  Sete e meia da tarde. Resolveu abrir a janela do quarto. O sol já tinha ido embora. Assim como ela. Parecia que não veria mais nada. Lembrava apenas da última frase inteligível que tinha ouvido no turbilhão da rua de uns dias atrás. Você nunca mais vai me ver, então guarde nos olhos essa imagem minha de adeus, ela disse. Ele a guardou a sete chaves e pediu aos deuses que o cegassem. Como não foi atendido, vendou os próprios olhos. E por intermináveis dias só viu a imagem do adeus na sua cegueira inventada. Caminhava trôpego pelo apartamento cúbico. Sete e meia da tarde de uns dias depois abriu a janela de novo e cego pela venda e pela lembrança e indiferente à existência do sol subiu no parapeito do prédio de 20 andares que dava para um abismo profundo. Durante a queda criou asas e voou leve para às sete e meia da tarde de uns dias antes onde o sol ainda existia na claridade do sorriso dela.
Ps.: Dedico esse texto aos amigos do Sandro Dornelles: Reynaldo Bessa, Bruno Batista e Élio Camalle.

Música do Dia: Paraquedas (Russo Passapusso).

Bicho do Dia: Gato (4154). 

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

328º Dia: Leva Meu Coração


                  Ele deixou seu coração em casa. Dependendo do dia ele só atrapalhava. Tinha dias que deixa a cabeça em casa, outros dias o fígado, outros o pulmão, mas naquele dia deixou o coração. Depois de um dia estressante de trânsito, trabalho e correria, chamou a secretária e pediu: “passa na minha casa, pega o presente que está na minha mesa e leva no restaurante onde encontrarei minha mulher daqui a pouco, vou fazer uma surpresa pra ela. Ah, leva meu coração também. Um encontro de reconciliação sem coração não fará o menor sentido.”. Chegando à casa ela pegou o pacote do presente, mas não achou o coração. Ligou pra ele e explicou o caso. Ele então lembrou que tinha deixado o coração na casa da amante. Ordenou que a secretária pegasse o coração do personal trainer da mulher, que deveria servir. A secretária explicou que o coração do personal estava com a filha. Mas e o namorado da filha? Ele perguntou. O coração dele está na casa de campo. Ele começou a perder a paciência. Porra, então pega qualquer um. Não pode emprestar o seu? A secretária disse: o meu coração já é da sua mulher. Ele demitiu a secretária e foi cego encontrar a mulher com um coração comprado numa loja de 1,99, mas tinha quase certeza que sem o presente que lhe custou os olhos a cara seria quase impossível uma reconciliação.
Moral da História: O que os olhos não veem o coração não sente.

Música do Dia: Guarde nos Olhos (Ivan Lins). (De: Ivan Lins / Vitor Martins).

Bicho do Dia: Elefante (7247).

327º Dia: Vestindo a Zebra

Domingo, 23 de novembro.
                  Quando Deus ou Algoqueovalha pensou nas cores das roupas de cada animal, seu lado estilista já sabia bem o que fazer. O único problema foi a Zebra. Deus tinha pensado em vesti-la toda de branco e assim o fez, mas era virar as costas e ele tirava a roupa embravecida. Deus ou Algoqueovalha resolveu vesti-la num figurino estilo pretinho básico. A reação da Zebra foi a mesma. O Criador não entendia porque todos os outros animais passeavam felizes com suas vestimentas e a Zebra ficava emburrada, ou enzebrada se preferirem. Depois de muita especulação Deus ou Algoqueovalha entendeu o motivo da birra. A Zebra queria ser a parte estilista de Deus ou Algoqueovalha. O Dono do mundo ficou furioso com a Zebra e mandou prendê-la. Só de pirraça a Zebra retalhou a roupa preta e a rouba branca e confeccionou uma terceira roupa listrada de preto e branco para ficar morando na prisão. A partir daí todos os bichos que Deus ou Algoqueovalha mandava pra prisão deveriam vestir uma ropua preta e branca feita pela Zebra. Ela virou então a estilista das prisões, mas também se orgulha de ser o que representa o time mais fraco ou o animal menos veloz das corridas. Só ainda não admite não estar entre os animais do Jogo do Bicho. Acha isso uma afronta e toda vez que um bicheiro vai preso ela tenta convencê-lo a mudar essa situação vexaminosa.

Música do Dia: Leva Meu Coração (Moacyr Luz) (De: Roberto Martins / Mário Lago).

Bicho do Dia: Zebra

326º Dia: Influência do Jazz

Sábado, 22 de novembro.
                 Acordava solfejando bons dias. Escovava os dentes em movimentos circulares ritmados. Mastigava o pão e bebia o café numa esfuziante técnica. Na condução era exprimido entre notas tocadas ao léu. Faziam solos intermináveis em coversas corriqueiras no trabalho. Buzinava em naipes de sopros. Jantava colcheias e semibreves com pausa para a sobremesa. Fumava e bebia de improviso. Transava no swing entre síncopes e polirritmias. Sonhava blue notes. Aos sábados ia encontrar com pessoas do grupo para libertação das más influências. Domingo, jaz.

Música do Dia: Vestindo a Zebra (Cesar Teixeira).

Bicho do Dia: Urso(0191).

325º Dia: O Fluxo Ardente do Torpor

(Texto de sexta, dia 21 de novembro).
                                                                                   

                  intermitentemente
atéogozo                               corriaquente
 oprazeraté                                           repousar
         naneve                                           doeterno
               ebreve                              entorpecimento
              parasempre


Música do Dia: Influência do Jazz (Leny Andrade & Romero Lubambo). (DE: Carlos Lira).

Bicho do Dia: Burro (4310).

324º Dia: O Escuro

(Texto de quinta, 20 de novembro de 2014).
               Queria chegar até o escuro. Caminhou dias e mais dias por uma claridade bárbara. Tons cansativos de branco. Degrades enjoativos de amarelo. Variações nauseabundas de azul. Quilômetros mareantes de verde e mais um tanto de claridades de cores. Já estava exausto de tanta luz e cada vez mais sedento de escuro. Sonhava todas as noites com o escuro perfeito, o escuro sem falhas, o escuro dos escuros. Já em estado de delírio achou um interruptor na parede mais alta do mundo. Delirantemente se sentiu um Deus e apagou a luz. Para seu espanto estava então no escuro e lá ficou por anos a fio. Quando enjoou do escuro quis a luz. Mas não enxergava mais nada e seria um trabalho dos diabos para achar novamente o bendito interruptor. Perto dali, onde o escuro jogava fora a chave das selas dos seus prisioneiros, as cores e as claridades tramavam contra ele.

Música do Dia: O Fluxo Ardente do Torpor (Marli). (Uma homenagem ao colaborador do Dia, Diego Moraes).

Bicho do Dia: Carneiro (3727).

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

323º Dia: Over The Hills and Far Away (Sobre as Colinas e Além).


               Ao longe se avistavam as Colinas. Nunca ninguém havia ido até elas. Todos ficavam encantados e capturados pela visão deslumbrante das Colinas. Essa visão empedrava de beleza os corajosos e fazia com que desistissem da empreitada de desbravar as Colinas. Um dia um homem que tinha olhos na nuca conseguiu chegar até elas. Lá chegando decidiu ir além. E foi. Quando chegou no Além das Colinas, avistou as Colinas, visto que tinha olhos na nuca. E como acontecia com todos os corajosos, a beleza da visão o empedrou. Agora o homem de olhos na nuca nunca mais voltaria para o mundo das gentes e estava preso para sempre no Além das Colinas onde ninguém podia o avistar para tentar salvá-lo.

Música do Dia: O Escuro (Matuto Moderno) (De: Ricardo Vignini / Paulo Nunes).

Bicho do Dia: Tigre (2185).

322º Dia: Don’t Let Be Me Misunderstood (Não Me Deixe Ser Mal Entendida).

(Texto do 18 de novembro, terça-feira).
              É o que eu sempre digo. Quando eu apareço para vocês, humanos, a primeira coisa que fazem é começar o mimimi. Não adianta! Não adianta! Quem sabe não param um pouco de querer se sentir injustiçados e olham um pouco mais para os respectivos rabos e um pouco menos para suas respectivas selfies? Eu nada mais sou do que um aviso de que uma coisa não vai bem. Posso parecer mau, mas minhas intenções são as melhores possíveis. O grande poeta de Itabira já escreveu essas sábias palavras em minha homenagem: “A DOR é inevitável, o sofrimento opcional”.

Música do Dia: Over the Hills and Far Away (Led Zeppelin). (De: Jimmy Page / Robert Plant).
Bicho do Dia: Cavalo (0941).

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

321º Dia: Mergulhar na Surpresa


                Meus Caros leitores. Desço do salto da minha magnitude para admitir que andei relapsa com as publicações dos meus textos ultimamente. Depois de mais de 300 dias de árduo trabalho jornalístico crônico poético teórico literário minhas ideias começaram a ficar repetitivas e precisei fazer um retiro. Um retiro que indico a todos vocês. Quando a vida estiver assim meio tediosa, façam como eu fiz: mergulhem na surpresa! Eu mergulhei nesses últimos dias e garanto que estou renovada e excitada para dar continuidade nos meus trabalhos blogueiros. Como diz o Sandro: vamo que lá!

Música do Dia: Don’t Let Be Me Misunderstood (Nina Simone) (De: Glória Caldwell / Sol Marcus / Bennie Benjamin). (Uma homenagem à colabordora do Dia, Julia Zuza).

Bicho do Dia: Peru (6578).

domingo, 16 de novembro de 2014

320º Dia: Velocidade da Luz


                Hoje em dia as notícias correm na velocidade da luz. Uma das últimas foi a declaração da Nasa de que existe vida extraterrestre. Grande África! Como se todos já não soubessem. O que ninguém sabe, nem mesmo a Nasa, é que os ETs já divulgaram há muito tempo entre eles que existe vida num Planeta do sistema Solar chamado Terra. Mas o que os intriga até hoje é não terem descoberto ainda onde fica o Planeta de nome Madrugada, onde um tal de Serginho afirma toda semana num programa de TV terráqueo que existe vida inteligente.
Escrever três textos no mesmo dia dá nisso.

Música do Dia: Mergulhar na Surpresa (Maurício Pereira).

Bicho dia: Alf, o ETeimoso.

sábado, 15 de novembro de 2014

319º Dia: O Amanhã é Distante


                 Era o que alguns afirmavam. Para outros o Amanhã estava logo ali, no dobrar a esquina. Nunca, porém perguntaram para o Amanhã o que ele pensava sobre o assunto. Talvez porque nunca ninguém havia conseguido falar com ele. Marcaram uma coletiva para que o Amanhã finalmente findasse os séculos de silêncio e falasse tudo o que bem quisesse. Quando ele soltou o verbo nunca mais parou de falar. Os que o entenderam, que eram os que diziam que ele estava logo ali, continuaram afirmando que ele estava logo ali. Os que não o entenderam, aqueles que achavam que ele era distante, continuaram afirmando que ele era distante. Frente a tal confundido fato, o Amanhã entendeu porque tinha ficado tanto tempo calado e assim ficou por mais vários séculos. Ainda hoje ele vez em quando aparece e fica na espreita logo ali na esquina, outras vezes some nas lonjuras das estradas e acena para alguém bem distante que retribui o aceno sem ter a certeza de que é o Amanhã mesmo que acenou ou alguém se fingindo ser ele.

Música do Dia: Velocidade da Luz (Grupo Revelação).

Bicho do Dia: Avestruz (7503). 

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

318º Dia: Relento


              Parca era a esperança. Vivia-se por pura teimosia. Até o momento em que se começasse a cantar. Tudo se banhava de novas cores, novos ares. Naquele lugar a menor voz tinha poderes de gigante. Os galos cantadores arrancavam as manhãs de seus bocejos. As cigarras cantadeiras espremiam as nuvens para que as gotas de orvalho umedecessem o deserto das línguas. Conhaques vagabundos machucavam e emocionavam cordas vocais extraviadas pelo tempo. Um tom metal grunhia raios e quebrava maldições. A cegueira fazia com que a voz pingasse moedas nas latinhas. Mas os maiores cantores dentre todos sem destino do lugarejo eram os que tinham sido benzidos e tocados pelas mãos aveludadas e cruas do relento.

Música do Dia: O Amanhã é Distante (Geraldo Azevedo). (Bob Dylan – Versão: G. Azevedo e Babau).

Bicho do Dia: Galo (4951).

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

317º Dia: Reprocesso


                 O processo todo já era um emaranhado digno de fazer inveja ao inventor do homem- barata. A coisa era tão enigmática, labiríntica, bololada e ingruvinhada que era quase certo o caminho para a loucura. Mesmo assim, o homem sério aceitou o desafio de encarar o tal processo. Nessa empreitada andou por mundos burocráticos de tirar o fôlego, conheceu seres quase extraterrestres que tinha como principal função não colaborar o máximo possível, esteve de mãos dadas, e às vezes atadas, com malucos andarilhos dos corredores sem fim de repartições de compartimentos, montou quebra-cabeças intrincados com papeladas e parafusetas perdidas em almoxarifados. Passadas muitas etapas, pensou ter acabado sua missão, mas quando estava no final do processo, chegou numa porta onde estava escrito “Reprocesso”. Ele entrou pela porta sem saber que ninguém até hoje conseguira achar o caminho de volta.

Música do Dia: Relento (Simone Guimarães). (De: Simone Guimarães / Cristina Saraiva).

Bicho do Dia: Gato (0755).

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

316º Dia: Perfect Strangers (Completamente Desconhecidos).


                Olhou a foto. Reparou que todos tinham rugas ao redor dos olhos e na testa. Detalhe que os olhos eram claros. As testas eram milimetricamente iguais. As bocas pareciam ter sido desenhadas pelo mesmo pintor. Os cabelos das pessoas eram todos lisos e escuros. Os narizes afinavam todos do mesmo jeito. As orelhas eram de abano e ostentavam brincos de argolas enormes. As sobrancelhas tinham alguns fios desgrenhados. Os queixos de covinhas davam aos rostos um aspecto inesperado. Depois de muito observar a foto, concluiu que todos que nela estavam eram idênticos, mas completos desconhecidos. Passou a foto adiante e foi pra casa. Quando foi ao banheiro olhou no espelho e viu que sua cara estava igual a das pessoas da foto que tinha visto. Entrou em crise existencial profunda, pois não sabia mais quem era. Enquanto isso a foto rolava pelo mundo e cada um que a via falava que os rostos na foto eram de completos desconhecidos. Não sabiam que ao olharem para foto fariam parte dela no momento em que se olhassem no espelho.

Música do Dia: Reprocesso (Zé de Riba).

Bicho do Dia: Peru (6479).

terça-feira, 11 de novembro de 2014

315º Dia: Movimento Perpétuo Associativo


                 Todo dia é isso, eu tenho um tema-título sobre o qual desenvolvo alguma coisa. Pra quem não sabe, esse tema-título vem do nome da canção do dia anterior e meu propósito é levar a conversa para um lado diferente do que trata a canção, pegando sempre caminhos insólitos advindos de minha imaginação ou apanhado do convívio com vocês, humanos. Veja esse, por exemplo. Vou tentar explicar como funciona (às vezes não funciona) a coisa. O Movimento é sempre o mesmo, criar algo sobre o tema-título. Perpétuo é meu viver neste mundo, dado a quantidade de esforços que vocês, humanos, fazem para que isso assim seja. Taí ó: o movimento perpétuo. No que alguns dirão “falta o associativo!”. No que eu digo que ele está implícito, pois o ato de escrever é por si só associativo. Não precisa bater palmas.

Música do Dia: Perfect Strangers (Deep Purple). (De: Blackmore / Glover / Gillan).

Bicho o Dia: Tigre(2986).

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

314º Dia: Dunas

314º Dia: Dunas
                 Antes de encontrar Leandro Konder para fazerem a viagem, Manoel de Barros passou por vários lugares encantados. Interagiu com lesmas, caracóis, moscas e sapos. Juntou letras que estavam largadas pelo chão. Desarrumou mais um pouco a resma de inutilidades. Quando passou pelas dunas, as primas irmãs despreocupadas do vento, Manuel encheu os pulmões e soprou suave. Cada partícula de areia alçou voo, deixando o terreno mais útil ainda para o nada e cada uma dessas partículas virou uma estrela depois de alguns instantes. Estrelas essas onde Manuel e Konder passariam mais tarde fazer uma visita e tomar um cafezinho. Pensavam até em ficar morando por lá mesmo e reaparecer vez que outra na Terra em algum piscar de vaga-lume.

Música do Dia: Movimento Perpétuo Associativo (Deolinda).

Bicho do Dia: Todos os que o Manuel de Barros soltava nos poemas.

domingo, 9 de novembro de 2014

313º Dia: Vejam Bem


               As pupilas do mundo se dilataram ao máximo. Eram tempos turvos, que exigiam um esforço a mais para ser um vulto que fosse. Nesses esforços o mundo sonhava claridades, almejava alvos tempos que vinham em esbranquiçada cegueira. Oito ou oitenta para o mesmo desvislumbre. Não se enxergava nada nem no preto, nem no branco. Não se lia lhufas em extremidades de claro-escuro. Um dia o mundo farejou um aroma que indicava a proximidade do desabrochar da flor dos olhos. Foi quando se deu o discernimento de cores e as pupilas relaxaram nos canteiros das flores Vejam-Bem.

Música do Dia: Dunas (Rosa Passos e Ivete Sangalo) (De: Rosa Passos / Fernando de Oliveira).

Bicho do Dia: Veado (5394).

312º Dia: Falso Milagre do Amor

Sábado, 08 de novembro de 2014.
               O Amor começou a cometer mais milagres que o maior dos milagreiros. Ele não transformava água em vinho nem vice-versa, não ressuscitava pessoas, não fazia aleijados andarem, não fazia a santa chorar sangue, nem multiplicava pães. O milagre do Amor era multiplicar falsos milagres: começou a fazer nascerem sorrisos nas bocas de quem nunca sorriu, beijos nos lábios de quem nunca beijou, abraços nos braços de quem nunca abraçou, brilho nas bijuterias das almas que nunca brilharam, sensações solas nos mofos das alegrias de quem nunca se alegrou, cordialidades no dia a dia das gentes, coisas assim. O Amor queria elevar esses falsos milagres a verdadeiros e não entendia porque todos não permitiam isso. Por outro lado todos também não entendiam o Amor e esse negócio de milagres.

Música do Dia: Vejam Bem (Zeca Afonso). (Uma homenagem ao colaborador do Dia, Rodrigo "Poca" Duarte).

Bicho do Dia: Camelo (4429).

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

311º Dia: Exercício Diário da Paixão


               Resolveu filmar o dia a dia da Paixão e compreendeu como era fácil perder o foco.

Música do Dia: Falso Milagre do Amor (Ed Motta). (De: Ed Motta / Ronaldo Bastos).

Bicho do Dia: Elefante (9745).

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

310º Dia: Bridge Over Troubled Water (Ponte Sobre Águas Revoltas)

(Quinta, 06 de novembro de 2014)
                  Muita água ainda haveria de rolar por debaixo daquela velha ponte. Agora eram tempos de águas calmas, plácidas como a aragem da manhã. O sonho da alma da Velha Ponte era encontrar um dia a alma do Velho Rio. Tinham sido prometidos um para o outro, mas não morriam nunca. O Rio era perene, a ponte indestrutível. Já haviam passado por bombardeios, vendavais, desmoronamentos e tudo mais de intempéries que uma ponte e um rio podem enfrentar e continuavam ali impávidos. Um dia trocaram de corpo, por apenas um dia, mas trocaram. A Alma do Velho Rio sentiu então o que era ser uma Velha Ponte e a Velha Ponte sentiu o que era ser um Velho Rio. E a vontade de se encontrarem um dia aumentou ainda mais. Aumentou tanto quanto a vontade que homens de implodir a ponte e represar o rio. Almas de Rio e Ponte se encontrariam num futuro próximo e dois laços de união entre os homens se perderiam para sempre.

Música do Dia: Exercício Diário da Paixão (Posada e o Clã) (De: Carlos Posada).

Bicho do Dia: Cavalo (9044).

309º Dia: Rindo a Toa

(Quarta-feira, 05 de novembro de 2014).
                    A Boca ria a toa. Comia o que tinha vontade. Falava o que dava na telha. Desconsiderava os atributos do Nariz. Não sabia da existência dos Ouvidos. Não estava nem aí pro Tato nem pros Olhos. Um dia o corpo morreu e a Boca foi enterrada junto com todos os outros órgãos para quem ela não dava à mínima. Os outros órgãos todos não riram, porque não podiam rir – isso era um atributo da boca -, e também porque o que adiantaria rir da desgraça do outro se o outro faz parte de você? A Boca, por sua vez, foi a única que comeu terra, embora a terra é quem há de comer a Boca e tudo mais. Agora uma pausa na história, para uma reflexão. Uma pausa não, melhor acabar isso por aqui mesmo porque esta história já está sem pé, nem cabeça, nem boca, nem corpo, nem porra nenhuma. A história assim como o corpo, já se decompôs.

Música do Dia: Bridge Over Troubled Water (Elvis Presley) (De: Simom & Garfunkel).
Versão Kleiton e Kleidir:

Bicho do Dia: Galo (0152).

308º Dia: Desequilíbrio

terça, 04 de novembro de 2014.
                    Ultimamente tenho visto muito desequilíbrio por aí. Pessoas na corda bamba. Bêbados tomando imaginários tufões de vento cambaleando. Crianças aprendendo a andar de bicicleta. Albatrozes pousando na praia. A natureza dando respostas duras ao desequilíbrio humano para com o planeta. O facebook em época de eleição então foi um festival de desequilíbrio psicoemocional: amigos tornaram-se inimigos mortais, famílias ruíram, pessoas perderam emprego por se posicionarem politicamente, outras mantiveram suas tetas acima de tudo. E mais um tanto de desequilibramentos. O desequilíbrio é sempre um aviso de algo não vai bem, que alguma coisa está pendendo de mais para um lado. Quando o desequilíbrio dá as caras é melhor ficar atento. Falo isso porque ele é um dos que está na linha de frente do meu batalhão. Ele dá o recado, cabe a vocês, humanos, prestarem atenção, pois quando ele vem, eu já estou chegando logo depois e quando eu chego eu chego botando quente. Portanto, vale muito aqui o ditado “manda quem pode (EU), obedece quem tem juízo (vocês).”. E por falar em desequilíbrio, cadê a água que estava aqui?

Música do Dia: Rindo a Toa (Falamansa).

Bicho do Dia: Vaca (1800).

307º Dia: Último Desejo

(Segunda, 03 de novembro de 2014)
               Num ermo qualquer de um desconhecido lugar do mundo um homem no extremo da inanição acha uma lâmpada. Logo que a vê lembra-se da história do gênio e dos três desejos. Enquanto se arrasta até a lâmpada tem a certeza de estar salvo. Entretanto, pensa que pode ser uma miragem ou um delírio pré-morte. Continua se arrastando. Chega até a lâmpada e quando a toca tem de novo a já perdida certeza de que está salvo. Esfrega a lâmpada com suas últimas energias. Não sai nada de dentro da lâmpada, nem gênio, nem uma gota d’água, nada. Os três desejos eram uma ilusão. Morreria ali pensando que algum responsável por aquilo tudo poderia conceder-lhe o direito de um último desejo que seria morrer antes de encontrar a última esperança numa lâmpada sem gênio. Seu desejo foi realizado.

Música do Dia: Desequilíbrio (Eddie).

Bicho do Dia: Porco (4371).

306º Dia: Poeira Pura

(Domingo, 02 de novembro de 2014)
                A estrada fabricava poeira aos borbotões. Embora borbotão seja mais usado para líquido, me forço a pensar que a poeira é a lágrima da estrada e esta era uma estrada que chorava muito e assim justifico os borbotões. Enfim, era poeira pra mais de metro. Já chamavam aquela estrada de Tempestade de Areia, tal era a massa de poeira. Um dia um lagarto atravessador de estrada foi parar nesse tal trecho empoeirado. Ele já era malaco de não ser atropelado. No meio daquele mar de poeira, lá foi o tal lagarto cruzar a estrada de um lado para o outro, no não enxergar do momento se foi cheio de instintos como olhos. Passo nada largo do lagarto lento. Um caminhão pesado vinha na poeirenta estrada no veloz das rodas. Cálculos físicos de velocidade, atrito, massa, tempo e distância misturados ao empoeirado da coisa davam por certo um atropelamento. Entretanto, tal poeira cegou os olhos dos cálculos físicos que davam por certa a tragédia e eles não viram nada. No seu mundo de prever, não viram que o lagarto só sentiu o vento forte do caminhão passando rente ao seu corpo e que comeu um tanto de poeira, no mais, saiu ileso. Os cálculos físicos pegaram carona e viraram dizeres no para-choque do caminhão que seguiu seu rumo, indiferente a cálculos físicos, lagarto e a essa história que jamais seria contada se a chuva tivesse chegado um pouco antes e baixado a poeira.

Música do Dia: Último Desejo (Aracy de Almeida) (De: Noel Rosa).

Bicho do Dia: Carneiro (7125).

sábado, 1 de novembro de 2014

305º Dia: Tô Te Filmando, Sorria


                Estava quase tudo no seu lugar, menos as câmeras. Elas simplesmente sumiram, desapareceram, evaporaram, escafederam-se. Não haveria mais programas de tv, filmes, nada. O sumiço era para tramarem contra os homens. As câmeras foram as primeiras a se rebelarem contra o homem. Muitos outros aparelhos depois iriam fazer o mesmo. A temida guerra homem x máquina tinha sido começada pelas câmeras. Batalhas foram sendo travadas no decorrer dos tempos. Ao final de tudo, as máquinas sairiam vencedoras, como já bem previam os livros e filmes de ficção científica. AS câmeras mandariam em tudo. Os homens seriam banidos para um planeta próximo habitado por Radinhos de Pilhas centenários, uma espécie de planeta-cemitério, vigiados por enormes Totens Caixas de Som. Embora os homens já fossem dados como espécie extinta, tinha um menino, filho de uma mulher com um Walkman, que destronaria as câmeras e colocaria os homens de volta no poder. O coração do menino era um despertador e no dia em que ele batesse com força, acordaria todo o universo e ele finalmente sorriria para as câmeras.

Música do Dia: Poeira Pura (De: João de Aquino / Rubens Confeti).

Bicho do Dia: Cobra (1134).