Novas Histórias

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Foto de Ju Vinagre

terça-feira, 1 de abril de 2014

91º Dia: Feira Moderna

                  Não era o pregão da bolsa. Eram os feirantes e suas potentes vozes propagandeando seus produtos com seus versinhos sacanas para as moças bonitas. Mas que feira era aquela, pois não se viam verduras, frutas e coisas normais sendo vendidas nas barracas? A pergunta que pairava no ar foi respondida pelos alto-falantes: é a feira moderna! Quanta coisa linda naquela feira! As gentes chegavam aos montes para conhecê-la. Ensaiava-se ali o que parecia ser um plano piloto para que as feiras do planeta tomassem um novo rumo. Euforia, muita força de vontade nos braços e nas mentes, suor e alegria eram vistos pelas brechas do futuro. Nos arredores da feira moderna tramavam para acabar com a festa. Queriam o fim da feira moderna e de todas as outras feiras, que virariam dias da semana sem sábado e domingo. Todos iriam comer o que fosse plantado por eles em seus jornais, revistas e outdoors. Cortariam os pés de música pela raiz. As folhas dos livros seriam decepadas antes que o outono viesse colhê-las com sua mão de pelica. As telas, esculturas, gravuras e demais plásticas não ficariam mais em pé quando lhes tirassem do âmago o tronco de sustentação. As gentes já tinham ouvido rumores apocalípticos na metálica viola e na voz de Pinóquio, o cego da feira. Não deram bolas. Chegou então o dia da tomada da feira moderna. As gentes indiferentes armavam suas barracas futurísticas para mais um dia de trabalho, cantorias e esperanças. A feira foi tomada. Ruíam sonhos, sumiam gentes, calavam vozes, choviam lágrimas. E assim foi durante anos. O problema - que também já tinha sido rimado por Pinóquio -, é que aquele dia era amaldiçoado para qualquer tentativa de guerra, só que os invasores também não lhe deram ouvidos. Um certo dia, do nada, o tempo começou a correr para trás e parou exatamente no primeiro de abril da profecia do cego de madeira. Um enorme buraco negro engoliu as gentes da antiga feira moderna e os golpistas do presente que já não existia. Durante anos, só se via um vasto sertão desértico com a cor polar do abandono. Uma árvore começou a brotar no chão duro. Dela vieram os alicerces para a reconstrução da feira moderna. E todo dia primeiro de abril ouve-se o murmúrio lamento e a metálica viola do cego cantador que doou uma perna como muda para a reconstrução do mundo.

Música do Dia: Eu no Futuro (Lula Queiroga) (De: L. Queiroga / Lulu Oliveira).

Bicho do Dia: Bicho de Sete Cabeças.

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