Novas Histórias

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Foto de Ju Vinagre

sexta-feira, 4 de abril de 2014

94º Dia: Disparada

                  ... não se sabe quem foi o primeiro a começar a correr, mas quando se deram conta, todos corriam em disparada rumo a qualquer lugar em que tivesse mais espaço pra correr. Os estacionamentos foram os primeiros lugares a serem invadidos. Os que ainda não estavam correndo, - sabendo da iminência de serem contagiados pelo vírus que ficou conhecido como “corrida sem fim” - começaram a derrubar os prédios e tudo mais para aplainar os terrenos e transformar tudo num enorme pavimento. A Terra continuava redonda, mas o que não era água na Terra, virou planície. Antes que toda a humanidade fosse contaminada, já haviam destruídos todos os morros, montes, montanhas. Everest, Alpes, Cordilheira dos Andes, tudo foi implodido e as sobras das implosões viram material para pontes que cruzavam aos milhares de um continente pra outro. Traçavam projetos de pontes que ligassem o planeta como outros planetas do Sistema Solar. O último homem a começar a correr pôs o último tijolo na inacabada ponte interplanetária. Muitos morreram nessas construções. Os que não morreram, corriam desesperadamente sem saber pra onde. Só corriam. Alguns tentaram parar de correr, mas foram ficando anêmicos, até definharem e morrerem de inanição. Correr era então o alimento. Os oceanos viraram os cemitérios onde se jogavam os pobres velhinhos que não tinha mais força física para correr. As pessoas adquiriram métodos para copular correndo e com a mesma rapidez dos coelhos para, assim, darem continuidade a espécie humana. Os rebentos, antes mesmo do primeiro choro, já nasciam correndo e saiam em disparada do meio das pernas das suas mães e raramente mãe e filho se encontravam de novo. As mulheres só paravam de correr para parir ou para morrer. As florestas e os outros animais terráqueos haviam desaparecido da face plana da Terra. Entretanto, um homem que vinha na sua corrida infinda, num dado momento, encontrou um bicho num andar vagarosamente lento que parecia uma mistura de lesma com tartaruga. Instintivamente ele engoliu tal bicho. E parou. Sentou no chão aliviado como se tivesse dado uma gozada resultante de uma transa tântrica que havia durado uns 30 anos. Olhando a correria dos outros todos pra lá e pra cá, pensou: “Puta que pariu, aonde foi que eu deixei a porra do meu cigarro?”... Nisso acorda, sobressaltado e atrasado, um homem comum dos tempos atuais e sai correndo para pegar um ônibus no qual nunca entraria, pois este homem seguiria em disparada para sempre.

Música do Dia: Por um Fio (Celso Viáfora) (C. Viáfora / Vicente Barreto).
Bicho do Dia: Avestruz (7803)

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