O Chão de asfalto da rua já
estava meio surdo por conta da idade e não entendeu o arrulho ou a frase
proferida por alguém do alto do arranha-céu. Em seguida um corpo caiu. O chão,
com as vistas cansadas, não conseguiu discernir se era o corpo de um homem ou
de um pombo ou dos dois juntos. O chão já estava com as costas cansadas e
torceu para que não fosse mais um homem a se espatifar sobre ele. Ouviu mais
uma vez a frase-arrulho e agora conseguiu entendê-la: “Eu tô voando!” Olhou de
novo e viuouviu, agora bem mais de perto, um homem criando asas e um pombo
falante, ambos dando um rasante rente ao Chão. Nem cagada, nem espatifada. O
chão ancião já estava há tanto tempo ali chãoziando que nem tinha se dado conta
que os pombos tinham aprendido a falar e que os homens tinham criado asas. Deu
de ombros e seguiu sendo o Chão que sempre fora, indiferente a um anjo caído - que
ainda não falava a língua dos homens nem dos pombos -, com a cara grudada na
vitrine sonhando com o dia em que teria dinheiro suficiente para comprar o Wingsuit
e voltar a voar com os homens e os pombos. Uns trocados pra um vôo de Asa-Delta
já estaria de bom tamanho, mas o chapéu de esmolas ao rés do Chão era muito
raso pra comportar tanta moeda.
Música
do Dia: O Mistério do Fundo do Olho (Lula Queiroga) (De: L. Queiroga/Lucky
Luciano/Lulu Oliveira).
Bicho
do Dia: Cabra (3722).
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