Límpido, imóvel, era possível
ver os seus pés no fundo do lago cristalino. Décadas atrás os mesmos pés
pisavam em britas aquecidas por um forte sol num céu cristalino. Cágados nas
nuvens se transformavam conforme o vento em outros seres que eram vistos graças
ao ainda perfeito funcionamento dos olhos de quase inalterados cristalinos. Ávido
por novas experiências corria o mundo com a alma cristalina. Intrépidos, os mesmos
pés que cruzaram estradas e pisaram em britas quentes, agora pisavam a areia
fina no fundo do lago cristalino. Áspero, o céu manchado perdia seu ar
cristalino. Lívida, a presbiopia atacava com a ajuda dos anos o seu cristalino.
Proparoxítonas de todos os tipos invadiam o início de suas frases e com o
passar do tempo o desqualificavam, independente das qualidades boas ou más dos
cristalinos. Gramáticas, nem reformas ortográficas, nem médicos, nem máquinas,
nem mágicas o livraram das proparoxítonas começando as frases de sua vida cada
vez menos cristalina. Féretro por féretro um dia chegou o dele na hora mais
cristalina. Cristalino no fim da frase virou cristalino no início e com ele
foram todas proparoxítonas entaladas, palavrões proparoxítonos que não existiam
para que proferisse o seu desabafar para o mundo e, assim, sua rubrica não
assinaria o enredo dessa história turva-esdrúxula.
Música
do Dia: O Cu Do Mundo (Caetano Veloso).
Bicho
do Dia: Gato (8455).
Nenhum comentário:
Postar um comentário