Sandro Dornelles não deu
ouvidos aos apelos dos aeroportos e do Presidente Lula para viajar de avião e
resolveu encarar o trecho Trans- Sul- Sudestônico de ônibus, - relembrando a
época em que fazia isso logo que foi morar no Rio. Quando o decidiu que se
aventuraria pelas estradas brasileiras outra vez, decidi acompanhá-lo. Antes de
sair de casa, inventei uma dorzinha de cabeça nele, decorrente do cansaço
ocular para leitura gerado pela idade e pela falta dos óculos que ele ainda não
comprou. Motivo para a ranzinzice dele, diversão garantida para mim. Bom, lá
fomos nós. Então hoje, o texto é um diário de bordo. Antes de pegar o bus
interestadual, Sandro pegou uma bumba dentro da cidade para chegar na rodoviária.
Como é de praxe, ele estava atrasado. Uma das portas da tal bumba tinha um
elevador para cadeirantes. Obviamente, dentro dessa bumba tinha um cadeirante,
o que não é um bom presságio para quem está atrasado. Não deu outra: o elevador
emperrou para descer com o cadeirante. Depois de grande luta, lá estava o
cadeirante na calçada. Mas quem disse que o elevador voltava à posição inicial
para o bus seguir viagem? Mais outra luta e o elevador desenguiçou. Um salve
para a inclusão e pé na tábua. Já no ônibus interestadual a coisa não fugiu
muito ao roteiro original tão conhecido. Os odores em geral são rebeldes, não
ficam presos em espaços pequenos. Os odores de banheiro de ônibus então nem se
fale, rebeldia pura, jamais se contentam ao espaço do banheiro e invadem o
veículo. Durante a viagem esses odores se juntam aos cheiros clássicos de
salgadinho sabor queijo com cheiro de chulé e chulé de gente com cheiro de
queijo. Juntando-se ao festival, eventuais aromas de vômito fresco de nenéns
entram na baila. Um salve para o convívio harmonioso entre as gentes e pau na
máquina. Nas paradas para refeições você é obrigado a entrar por um lado do
estabelecimento e sair pelo outro pagando bem caro por uma comida de aparência
duvidosa. Um salve para o fortalecimento dos anticorpos e pernas pra que te
quero. À noite, dentro da bumba, quem não tiver dramim ou algo do tipo, há de
ter fé no Deus do sono, pois os carneirinhos do mal estão à solta. Compondo a
sinfonia: os graves dos roncos, os médios dos multi sons dos celulares e os
agudos estridentes do choro de cordas vocais infantis potentíssimos. Regendo a
orquestra um cego dando encontrões pelo corredor do ônibus para chegar ao
banheiro e pondo a mão nas cabeças e pisando nos pés dos outros para se guiar.
Mais um salve para a inclusão e outro salve pela graça da audição. Outro fato
que ocorre no transporte coletivo graças às benesses da modernidade: as tomadas
dos interiores são disputadas a tapa pelos passageiros sedentos de carregar
seus celulares, laptops e afins. Uma senhora gorda usou uma criança como escudo
e a mamadeira dessa criança como espada para defender sua fonte de energia
vital. Depois dos ânimos acalmados e de todos os aparelhos carregados vem a
frustração coletiva: os cartazes nos vidros das janelas exibem a senha para o
uso gratuito de um wi-fi que nunca funciona. Um salve a popularização da
internet e a viagem segue seu destino. Vou poupá-los de outros detalhes da
viagem e finalizar aqui meu diário de bordo. Devo dizer que toda pessoa que viaja de ônibus, tem condições de viajar
de avião também. Entretanto, não desfrutará das alegrias acima citadas. Ah, ia
esquecendo o meu personagem. Engraçado que em meio a tudo isso, o Sandro foi
nostalgicamente desenhando a geografia sentimental de suas viagens pelo Brasil
a fora e todo seu pessimismo antes de embarcar não se concretizou e a viagem
foi maior de boa. Além disso, dado o looooongo tempo do trajeto Sampa – Poa,
possibilitou que ele lesse quase toda obra do James Joyce em sânscrito, o que
causou um certo delírio, pois em determinado momento jurou ter visto todos
fumando dentro do ônibus, mas não comentou a enorme poça de baba na sua blusa.
Enfim tudo correu, ou pelo se arrastou, bem. O Sandro já está planejando outra
viagem como essa para o ano de 3017.
Música
do Dia: Sonhos (Caetano Veloso) (De: Peninha). Homenagem ao aniversariante de
ontem, Caetano Veloso. Embora a música não seja dele, gravações dele de músicas
como essa são de grande importância na história da Música Brasileira.
Bicho
do dia: 5325 (Carneiro).
Nenhum comentário:
Postar um comentário