A língua portuguesa e suas
maravilhas. E suas tristezas belas também. Agonília. Certa vez um homem-peixe -
ou peixe- homem, como preferirem, pois o ser era metade homem, metade peixe -,
vivia um intrincado dilema. Ele morava numa pequena ilha deserta. Para a metade
homem era uma ilha, já para metade peixe era um latifúndio marítimo. A metade
peixe queria a solidão da Ilha. A metade homem a imensidão do mar. Só que cada
metade era adaptada exatamente para o oposto do que desejava. A metade homem
começou a se matar aos poucos para que a metade peixe fosse a única metade e,
portanto, o ser inteiro. Só que a metade peixe começou a fazer o mesmo. Um ser
feito de duas metades sem nenhuma delas seria nada. Os dias começaram a ser de
tremenda agonia para o ser. A metade peixe era triste na água. A metade homem infeliz
na ilha. O ser tentava há anos explicar para as duas metades que elas eram uma
coisa só e que insatisfações e privações faziam parte da vida e que no momento
em que aceitassem isso juntas as coisas seriam bem mais tranquilas. Não lhe
davam ouvidos. Por séculos continuou aquilo: um ser com duas agonias. Até que
um dia a ilha foi engolida pelo mar. A metade homem já era quase peixe e se
adaptou bem. A metade peixe já era quase homem e acabou morrendo. A metade
homem nadou pelos sete mares. Milênios depois quando voltou a viver em terra
firme a metade homem dominou o mundo. Agora o ser não era mais duas metades,
era apenas homem. E o homem que agora tinha tudo só desejava achar sua metade
peixe. Uma agonia muito maior, pois sua ilha deserta agora era o mundo todo.
Moral
da História: Quando a metade vira o inteiro, o inteiro fica pela metade.
Música
do Dia: U Amassu i u Dubradú (Patrícia Bastos) (De: Dante Ozzetti / Joãozinho
Gomes).
Bicho
do Dia: Burro (0009).
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