Novas Histórias

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Foto de Ju Vinagre

quarta-feira, 18 de junho de 2014

169º Dia: Agonília


                  A língua portuguesa e suas maravilhas. E suas tristezas belas também. Agonília. Certa vez um homem-peixe - ou peixe- homem, como preferirem, pois o ser era metade homem, metade peixe -, vivia um intrincado dilema. Ele morava numa pequena ilha deserta. Para a metade homem era uma ilha, já para metade peixe era um latifúndio marítimo. A metade peixe queria a solidão da Ilha. A metade homem a imensidão do mar. Só que cada metade era adaptada exatamente para o oposto do que desejava. A metade homem começou a se matar aos poucos para que a metade peixe fosse a única metade e, portanto, o ser inteiro. Só que a metade peixe começou a fazer o mesmo. Um ser feito de duas metades sem nenhuma delas seria nada. Os dias começaram a ser de tremenda agonia para o ser. A metade peixe era triste na água. A metade homem infeliz na ilha. O ser tentava há anos explicar para as duas metades que elas eram uma coisa só e que insatisfações e privações faziam parte da vida e que no momento em que aceitassem isso juntas as coisas seriam bem mais tranquilas. Não lhe davam ouvidos. Por séculos continuou aquilo: um ser com duas agonias. Até que um dia a ilha foi engolida pelo mar. A metade homem já era quase peixe e se adaptou bem. A metade peixe já era quase homem e acabou morrendo. A metade homem nadou pelos sete mares. Milênios depois quando voltou a viver em terra firme a metade homem dominou o mundo. Agora o ser não era mais duas metades, era apenas homem. E o homem que agora tinha tudo só desejava achar sua metade peixe. Uma agonia muito maior, pois sua ilha deserta agora era o mundo todo.
Moral da História: Quando a metade vira o inteiro, o inteiro fica pela metade.

Música do Dia: U Amassu i u Dubradú (Patrícia Bastos) (De: Dante Ozzetti / Joãozinho Gomes).

Bicho do Dia: Burro (0009).

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